A obra de transposição do rio São Francisco, iniciada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e levada até 86,4% de conclusão por ele e Dilma Rousseff, faz parte do planejamento da administração pública brasileira desde a época do Brasil Império, de dom Pedro I, no século XIX.
Mas Lula foi o único chefe da nação que tirou do papel a gigantesca obra, pensada para reduzir os problemas gerados pela seca no sertão nordestino. E foi Dilma quem deu continuidade ao projeto ao suceder Lula. De fato, no exato dia em que o Senado Federal votava relatório do processo que visava afastar a presidenta legitimamente eleita, dia 6 de maio do ano passado, Dilma visitava as obras da transposição em Cabrobó (PE), e certamente teria concluído a empreitada não tivesse sido apeada do poder por políticos que fingiam estar combatendo a corrupção.
Veja, abaixo (e veja um resumo na imagem acima), a linha do tempo de toda a trajetória da transposição do rio São Francisco desde a 1ª vez que foi pensada até se tornar realidade e efetivamente levar água ao sertão nordestino.
TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO – Histórico de planejamento
1847 – No reinado de Dom Pedro II após dois anos de estiagem no Nordeste, o intendente da comarca do Crato, no Ceará, Marcos Antônio de Macedo, a propor um projeto para trazer água do São Francisco para o seu estado. O canal partiria de Cabrobó, em Pernambuco, para abastecer o rio Jaguaribe, um dos principais do Ceará. Foi o primeiro projeto de transposição das águas do rio São Francisco. Estudos posteriores, porém, mostraram que não havia recursos técnicos no país para que a obra fosse implementada.
1856 – Uma comissão científica, ainda no reinado de Dom Pedro II, chefiada pelo Barão de Capanema, foi encarregada de estudar o problema da seca e recomendou a abertura de um canal que ligasse o rio São Francisco ao rio Jaguaribe. Esse estudo foi concluído em 1859 e depois arquivado. O tema da transposição voltou à baila em 1886, quando outro engenheiro cearense, Tristão Franklin Alencar, reativou a ideia, que foi logo abandonada.
1909 – O governo Afonso Pena cria a Inspetoria de Obras Contra a Seca (embrião do atual Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – Dnocs). A transposição foi planejada pelo seu primeiro presidente, Miguel Arrojado Ribeiro Lisboa, mas em agosto de 1913 ele desistiu de implementá-la por causa da elevação de 160 metros na área da Chapada do Araripe, que interromperia o curso das águas.
1919 – Presidente Epitácio Pessoa inseriu a Transposição da Chapada do Araripe e a implantação de açudes entre suas ações prioritárias. Ele deu ordens para a construção de 205 grandes açudes – a maioria abastecida pelas águas do São Francisco. Mais uma vez, porém, as obras foram interrompidas: uma fiscalização chefiada por Cândido Mariano da Silva Rondon constatou desvios de recursos, em documento que entrou para história como “Relatório Rondon”, de 1922.
1982 – Encampado por militares do 1º Grupamento de Engenharia, sediado em João Pessoa (PB), sob a chefia do coronel Mário Andreazza, foi criado um projeto abrangente, que envolvia os rios São Francisco, Parnaíba e Tocantins, com previsão para ser realizado em 40 anos. Seriam redirecionados, ao final, 330 metros cúbicos por segundo do Rio São Francisco e 300 do Rio Tocantins, a um custo estimado em US$ 3,3 bilhões. O farto e chuvoso inverno em 1984 e também questões políticas paralisaram a execução do projeto, que foi engavetado.
1993 – Enfrentando uma seca que já durava dois anos, o ministro da Administração e da Integração Regional do governo Itamar Franco, Aluízio Alves, apresentou um projeto semelhante ao de Mario Andreazza, mas prevendo a retirada de apenas 150 metros cúbicos do Rio São Francisco, a ser realizado em 180 dias em caráter emergencial. A seca terminou em 1994 e o projeto não chegou a sair do papel.
1999 – Disposto a reduzir as mazelas gerada por uma estiagem que vinha desde 1997, o presidente Fernando Henrique Cardoso determinou a elaboração de um projeto de transposição inicialmente com um eixo, de Cabrobó ao Ceará. Miguel Arraes, que governava o Pernambuco, demandou que o governo federal ampliasse o projeto, incluindo o que é hoje o Eixo Leste. O projeto era para um total de 127 metros cúbicos por segundo de retirada de água, que beneficiaria 188 cidades. O custo estimado era de R$ 2,7 bilhões.
Mas, um grupo de empresas, entre elas a Odebrecht e a OAS Engenharia, havia obtido uma outorga pela Agência Nacional de Águas para usar 300 metros cúbicos por segundo para um mega projeto de irrigação, e assim não seria possível captar mais água sem comprometer o funcionamento da Hidrelétrica de Sobradinho. A polêmica durou até o final do governo Fernando Henrique e o projeto nunca saiu do papel.
2001 – FHC disse: “Quem sabe, algum dia, nós possamos realmente resolver a famosa questão da transposição. Transposição que estamos a ver, com a situação crítica que vivemos, que não se pode resolver também senão com uma solução de conjunto, analisando o conjunto do Brasil e vendo o que fazer com o Tocantins, vendo de que maneira também revitalizar o São Francisco. Mas é necessário trazer água para cá. Não há dúvida nenhuma. Se eu puder impulsionar, pelo menos, o começo disso, eu impulsionarei. E eu impulsionarei porque estou convencido de que a solução tem que ser conjunta.”
2003 – Lula em visita ao Retiro de Itaici – CNBB – Indaiatuba – SP, 1o de maio de 2003 falou pela primeira vez como presidente sobre a transposição: “eu sempre me recusei a discutir a transposição das águas do jeito que muita gente queria discutir, sem antes discutir como recuperar o rio São Francisco, como recuperar seus afluentes, como recuperar a sua cabeceira. Houve nota de protesto e de repúdio contra mim, em plena eleição, na Paraíba, no Rio Grande do Norte, no Ceará. E serei eu – prestem atenção ao que eu estou dizendo, e eu não posso mentir na frente de tantos bispos e cardeais aqui –, serei exatamente eu, que nunca assumi um compromisso, que vou fazer a transposição das águas para o Nordeste brasileiro.”
2004 – Lula falou em Mensagem ao Congresso Nacional sobre a transposição. Fez dois discursos e deu duas entrevistas sobre o tema. Aprovado o Plano Decenal de Recursos Hídricos da Bacia do São Francisco foi aprovado pelo CBHSF.
2005 – Lula fez dez discursos e deu quatro entrevistas sobre a transposição.
2006 – Foram dois discursos e uma entrevista sobre o tema.
2007 – Em Mensagem ao Congresso Nacional, Lula anuncia que a primeira etapa das obras da transposição será em 2007. Em julho, se iniciaram as obras do Eixo Leste. Foram quatro discursos, duas entrevistas e um Café com Presidente sobre o tema.
2008 – Em Mensagem ao Congresso Nacional, Lula anuncia que está sendo feita o maior projeto de revitalização do São Francisco. Foram três discursos e duas entrevistas sobre o tema.
2009 – Lula viaja por três dias pelas obras da transposição. No que foi chamado “Caravana do São Francisco”, o então presidente percorreu, de helicóptero, de avião e a pé, os Estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Paraíba. Foram três discursos e dez entrevistas sobre a transposição.
2010 – Lula visita as obras no município de São José de Piranhas (PB). No local, fala sobre seu compromisso com o desenvolvimento do Nordeste do país: “Jamais me passou pela cabeça tirar alguma coisa do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, de São Paulo, do Paraná, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais. Agora, não era justo que o Nordeste continuasse sendo tratado como se fosse a escória deste país.” Foram quatro entrevistas e cinco discursos sobre a transposição. Em pronunciamento à Nação, em cadeia nacional de rádio e TV, por ocasião do final de ano, em dezembro de 2010, Lula disse: “Estamos realizando um dos maiores projetos de combate à seca do mundo: a transposição das águas do São Francisco, que irá matar a sede e diminuir a pobreza de milhões e milhões de nordestinos”.
2011 – Dilma faz lançamento regional do programa Brasil sem Miséria no Nordeste: “Porque hoje, aqui, nós estamos assinando o compromisso do meu governo com a universalização da água, afirmando que a água é um direito de todos os nordestinos, seja sob a forma de cisternas, seja sob a forma de aguadas, de pequenas barragens ou através de projetos grandes, como a transposição do São Francisco. E toda essa imensa obra, que é o Canal do Sertão Alagoano, vai levar água de forma permanente e perene para toda a população nordestina matar sua sede, matar a sede da sua criação e utilizar essa água para o seu desenvolvimento.”
2012 – Dilma faz sua primeira viagem às obras da transposição, nas cidades de São José de Piranhas (PB), Jati (CE) e Cabrobó (PE).
2013 – Obra ganha dez novas ordens de serviço em dez meses e canteiros chegam a ter 5.000 trabalhadores em atividade.
2014 – Presidenta faz sua segunda visita às obras (Túnel Cuncas II, São José das Piranhas/PB; Barragem do Jati, Jati/CE; Estação de bombeamento 1, Cabrobó/PE / início do enchimento dos canais de aproximação – EBV-1, Floresta/PE) (Eixo Leste); EBI-1, Cabrobó/PE (Eixo Norte) e anuncia que trabalhos chegavam a 60% de conclusão; obra atinge o pico de 10 mil trabalhadores atuando em seus canteiros.
2015 – Canal da transposição recebe as primeiras águas do São Francisco. Os testes com as bombas do sistema de captação da EB 1, Eixo Norte, do canal da transposição em Cabrobó, acontecem com sucesso. Acontece também a entrega da EBV-2 do Eixo Leste, em Floresta/PE.
2016 – Enquanto o Congresso Nacional articulava o golpe contra a presidenta, Dilma visita novamente as obras, em Cabrobó (PE). Ela disse: “Vou ficar de coração partido se não estiver na região quando a água começar a correr nas torneiras do João e da Maria”.
A visita aconteceu no mesmo dia em que a Comissão Especial do Impeachment no Senado aprovou o relatório do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) favorável ao afastamento da presidenta.
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