Depois da total ausência de gestão na pior fase da pandemia de Covid-19, que deixou mais de 660 mil mortes – o segundo maior número do mundo -, o governo federal continua a ignorar soluções que possam trazer um alívio à saúde dos brasileiros.
Enquanto a Europa e os Estados Unidos já utilizam amplamente medicamentos eficazes para tratamento da Covid-19, como o Paxlovid e o molnupiravir, que ajudam a prevenir que os casos da doença se tornem mais graves, o Brasil segue sem disponibilizar esses remédios à população. Tudo por falta de empenho do governo, que preferiu tentar emplacar a cloroquina e a ivermectina.
Para trazer esses tratamentos modernos, o Ministério da Saúde tem uma opção, a Lei 14.200 de 2021, que é considerada uma das melhores do mundo na questão da quebra de patentes farmacêuticas e permitiria a fabricação de genéricos desses remédios no país. O prazo para aplicar a legislação à Covid, no entanto, está acabando.
A lei, sancionada em setembro do ano passado, facilita o licenciamento compulsório de medicamentos durante emergências sanitárias. Na prática, ela suspende temporariamente a patente exclusiva de uma determinada farmacêutica para produzir e vender remédios, e permite que outras empresas do ramo importem ou criem genéricos.
No caso de uma emergência sanitária, como a pandemia de Covid-19, a lei determina que o governo é obrigado a divulgar em 30 dias uma relação de produtos cujas patentes podem ser suspensas. Essa medida não vem sendo cumprida, mesmo com a falta de remédios no país e a produção de genéricos no exterior. Para piorar, no próximo dia 22 vai expirar o decreto de Emergência de Saúde Pública do Ministério da Saúde, que precisa estar em vigor para que a lei possa ser aplicada.
Em entrevista à agência Repórter Brasil, que divulgou a denúncia, dois especialistas criticaram a demora, que pode custar caro. “O governo está descumprindo a lei”, afirmou o advogado Francisco Viegas, da Médicos Sem Fronteiras (MSF). “Considerando que ainda estamos em emergência e que já existem medicamentos contra Covid em termos globais, o governo tem obrigação de publicar a lista”, concorda o advogado Matheus Falcão, analista de saúde do Instituto Brasileiro do Consumidor (Idec).
No caso do Paxlovid, remédio de aplicação oral fabricado pela Pfizer, o tratamento completo com dez pílulas deve ser vendido no Brasil por US$ 250 (R$ 1.240). Ainda não se sabe a quantidade, o preço ou o prazo que estão sendo negociados com o governo. A farmacêutica, no entanto, fez um acordo para vender a versão genérica da medicação a preço de custo para 95 países de média e baixa renda, e que poderia ser aproveitada no país.
O remédio, que na pesquisa mostrou redução de até 89% do risco de hospitalização, teve seu uso autorizado pela Anvisa em março, para adultos com quadros leves e moderados de Covid, mas com alto risco de agravamento, como comorbidades, idosos e pessoas com problemas de imunidade. No início do mês, ele foi incluído no SUS pelo Ministério da Saúde, mas apenas para idosos e imunossuprimidos.
Vetos do presidente e demora do Congresso
A lei 14.200, um dos diversos projetos apresentados no Congresso para compensar a falta de movimentação do governo na questão da quebra de patentes, foi apresentada pelo senador Paulo Paim (PT-RS). O projeto de lei foi aprovado com 425 votos favoráveis na Câmara e 61 no Senado. O presidente Jair Bolsonaro, no entanto, vetou dois trechos importantes ao sancionar a lei, um que dava autonomia ao Congresso para divulgar a lista de produtos cujas patentes podem ser suspensas e outro que obrigava as farmacêuticas a ceder tecnologia e insumos para a produção.
Sem esses vetos, o Congresso já poderia ter feito a lista e o processo estaria em andamento. “Sem isso, praticamente inviabiliza a produção de vacinas e remédios”, afirmou Paim à reportagem da Repórter Brasil. Os vetos podem ser confirmados ou derrubados pelo Congresso e já foram colocados em pauta sete vezes pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, mas ainda não foram votados.
“Cada vez que colocam em votação, cresce o movimento de pressão para que o veto seja derrubado”, diz Paim. “Apesar da maioria do governo e do lobby das farmacêuticas, os senadores não querem manter esse veto em ano de eleição porque seria um voto pela morte e contra as vacinas e os remédios.”