O devido processo legal, o princípio do contraditório e o direito à ampla defesa são alguns dos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito e devem ser assegurados a todas e todos, sem discriminação. Na madrugada desta sexta-feira (31/08), o Ministério Público Eleitoral (MPE) bateu novo recorde – infelizmente negativo – em relação a esses temas. Em parecer entregue cerca de 5 horas depois da apresentação da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o MPE pede ao tribunal o julgamento imediato do registro da candidatura de Lula. O MPE defende a tese de rejeição do pedido de registro.
Difícil imaginar que, em prazo tão exíguo, o MPE tenha lido, considerado e respondido, detidamente, às principais questões levantadas pela defesa e aos fatos novos das últimas semanas, como a determinação da ONU em respeitar os direitos de Lula até o julgamento em última instância.
Nesta sexta-feira, o TSE realiza sessão extraordinária a partir das 14h30 em que o tema pode ser julgado. Até às 12h43, contudo, o registro da candidatura de Lula não constava da pauta da sessão no site do TSE. Atualização: às 12h58, entrou na pauta da sessão extraordinária a impugnação do registro da candidatura de Lula.
Instituições e democracia
Em seu parecer, o vice-procurador-geral eleitoral, Humberto Jacques de Medeiros, afirma que a conduta de Lula “é capaz de imprimir indesejável instabilidade às relações políticas, excedendo, portanto, os limites sociais ao exercício do direito”.
O argumento é uma verdadeira pérola. Nas entrelinhas, parece querer dizer simplesmente que Lula não possui mais direito em defender seus direitos, e que ele teria extrapolado os limites sociais nesse sentido. A ONU, contudo, não concorda com essa tese do vice-procurador. Pelo contrário, defende que todos os direitos de Lula sejam assegurados.
Para Medeiros, “o pretenso candidato sujeito à evidente causa de inelegibilidade atua processualmente de forma temerária, com abuso de direito e propósito meramente protelatório, turbando a normalidade do pleito”. E, nesse sentido, o candidato que solicita o registro de sua candidatura mesmo sabendo da inelegibilidade atua “desprovido de boa-fé” .
A questão é que Lula não “sabe da sua inelegibilidade”. Lula não concorda com essa tese, por óbvio, e está justamente recorrendo ao TSE para assegurar sua candidatura – bem como poderá recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal) e ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) para poder se candidatar. Dentro do que defendem as normas brasileiras e os tratados internacionais assinados pelo país, um candidato só pode ser considerado efetivamente inelegível após todos os recursos e instâncias se esgotarem.
Constrangimento internacional
A questão é tão evidente que recentemente o ministro do STF Gilmar Mendes explicitou que “no exterior colou a ideia de que Lula é um perseguido político”. O ministro classificou de “assanhamento” e de “sem noção” a forma pela qual as instituições – especialmente o Judiciário, a imprensa e o Ministério Público – estão trabalhando o tema.
As impugnações à candidatura de Lula podem ser julgadas pelo TSE até 17 de setembro. Os questionamentos alegam que, pela Lei da Ficha Limpa, o petista estaria inelegível, por ter sido condenado em segunda instância. Por outro lado, a lei também afirma que a inelegibilidade pode ser suspensa, no caso de a sentença criminal ainda poder ser revertida.
Levantamento de juristas aponta que, em 2016, 145 prefeitos foram eleitos na mesma situação de suposta inelegibilidade em que agora se encontra o ex-presidente. Desse total, nada mais nada menos que 98 deles reverteram a inelegibilidade após a eleição e antes da diplomação.