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“Empresários bancam campanha contra o PT pelo WhatsApp”, afirma Folha

Aos poucos, os detalhes sobre a fábrica de fake news criada por Jair Bolsonaro nestas eleições está vindo à tona. O Ministério Público já está investigando um esquema profissional de propagação de notícias falsas via WhatsApp. Em discurso na tribuna do Senado, a presidente do PT, a senadora Gleisi Hoffmann, falou sobre o assunto (veja vídeo ao final da reportagem). E nesta quinta-feira (18/10) o jornal Folha de S.Paulo, com a manchete “Empresários bancam campanha contra o PT pelo WhatsApp”, responde à indagação que Fernando Haddad vem fazendo há dias sobre quem seria o financiador dessa verdadeira usina de boatos. A notícia desse escândalo já levou a hashtag #Caixa2doBolsonaro ao topo dos Trending Topics do Twitter Brasil na manhã desta quinta.

Veja a íntegra da reportagem:

Empresas estão comprando pacotes de disparos em massa de mensagens contra o PT no WhatsApp e preparam uma grande operação na semana anterior ao segundo turno.

A prática é ilegal, pois se trata de doação de campanha por empresas, vedada pela legislação eleitoral, e não declarada.

Folha apurou que cada contrato chega a R$ 12 milhões e, entre as empresas compradoras, está a Havan. Os contratos são para disparos de centenas de milhões de mensagens.

As empresas apoiando o candidato Jair Bolsonaro (PSL) compram um serviço chamado “disparo em massa”, usando a base de usuários do próprio candidato ou bases vendidas por agências de estratégia digital. Isso também é ilegal, pois a legislação eleitoral proíbe compra de base de terceiros, só permitindo o uso das listas de apoiadores do próprio candidato (números cedidos de forma voluntária).

Quando usam bases de terceiros, essas agências oferecem segmentação por região geográfica e, às vezes, por renda. Enviam ao cliente relatórios de entrega contendo data, hora e conteúdo disparado.

Entre as agências prestando esse tipo de serviços estão a Quickmobile, a Yacows, Croc Services e SMS Market.

Os preços variam de R$ 0,08 a R$ 0,12 por disparo de mensagem para a base própria do candidato e de R$ 0,30 a R$ 0,40 quando a base é fornecida pela agência.

As bases de usuários muitas vezes são fornecidas ilegalmente por empresas de cobrança ou por funcionários de empresas telefônicas.

Empresas investigadas pela reportagem afirmaram não poder aceitar pedidos antes do dia 28 de outubro, data da eleição, afirmando ter serviços enormes de disparos de WhatsApp na semana anterior ao segundo turno comprados por empresas privadas.

Questionado se fez disparo em massa, Luciano Hang, dono da Havan, disse que não sabe “o que é isso”. “Não temos essa necessidade. Fiz uma ‘live’ aqui agora. Não está impulsionada e já deu 1,3 milhão de pessoas. Qual é a necessidade de impulsionar? Digamos que eu tenha 2.000 amigos. Mando para meus amigos e viraliza.”

Procurado, o sócio da QuickMobile, Peterson Rosa, afirma que a empresa não está atuando na política neste ano e que seu foco é apenas a mídia corporativa. Ele nega ter fechado contrato com empresas para disparo de conteúdo político.

Richard Papadimitriou, da Yacows, afirmou que não iria se manifestar. A SMS Market não respondeu aos pedidos de entrevista.

Na prestação de contas do candidato Jair Bolsonaro (PSL), consta apenas a empresa AM4 Brasil Inteligência Digital, como tendo recebido R$ 115 mil para mídias digitais.

Segundo Marcos Aurélio Carvalho, um dos donos da empresa, a AM4 tem apenas 20 pessoas trabalhando na campanha. “Quem faz a campanha são os milhares de apoiadores voluntários espalhados em todo o Brasil. Os grupos são criados e nutridos organicamente”, diz.

Ele afirma que a AM4 mantém apenas grupos de WhatsApp para denúncias de fakenews, listas de transmissão e grupos estaduais chamados comitês de conteúdo.

No entanto, a Folha apurou com ex-funcionários e clientes que o serviço da AM4 não se restringe a isso.
Uma das ferramentas usadas pela campanha de Bolsonaro é a geração de números estrangeiros automaticamente por sites como o TextNow.

Funcionários e voluntários dispõem de dezenas de números assim, que usam para administrar grupos ou participar deles. Com códigos de área de outros países, esses administradores escapam dos filtros de spam e das limitações impostas pelo WhatsApp —o máximo de 256 participantes em cada grupo e o repasse automático de uma mesma mensagem para até 20 pessoas ou grupos.

Os mesmos administradores também usam algoritmos que segmentam os membros dos grupos entre apoiadores, detratores e neutros, e, desta maneira, conseguem customizar de forma mais eficiente o tipo de conteúdo que enviam.

Grande parte do conteúdo não é produzida pela campanha —vem de apoiadores.

Os administradores de grupos bolsonaristas também identificam “influenciadores”: apoiadores muito ativos, os quais contatam para que criem mais grupos e façam mais ações a favor do candidato. A prática não é ilegal.

Não há indício de que a AM4 tenha fechado contratos para disparo em massa; Carvalho nega que sua empresa faça segmentação de usuários ou ajuste de conteúdo.

As estimativas de pessoas que trabalham no setor sobre o número de grupos de WhatsApp anti-PT são muito vagas —vão de 20 mil a 300 mil— pois é impossível calcular os grupos fechados.

Diogo Rais, professor de direito eleitoral da Universidade Mackenzie, diz que a compra de serviços de disparo de WhatsApp por empresas para favorecer um candidato configura doação não declarada de campanha, o que é vedado.

Ele não comenta casos específicos, mas lembra que dessa forma pode-se incorrer no crime de abuso de poder econômico e, se julgado que a ação influenciou a eleição, levar à cassação da chapa.

O candidato ao governo de Minas do partido Novo, Romeu Zema, declarou ao Tribunal Superior Eleitoral pagamento de R$ 200 mil à Croc Services por impulsionamento de conteúdos. O diretório estadual do partido em Minas gastou R$ 165 mil com a empresa.

Folha teve acesso a propostas e trocas de email da empresa com algumas campanhas oferecendo disparos em massa usando base de dados de terceiros, o que é ilegal.

Indagado pela Folha, Pedro Freitas, sócio-diretor da Croc Services, afirmou: “Quem tem de saber da legislação eleitoral é o candidato, não sou eu.”

Depois, recuou e disse que não sabia se sua empresa prestara serviço para Zema. Posteriormente, enviou mensagem afirmando que conferiu seus registros e que vendera pacotes de disparo em massa de WhatsApp, mas só a bases do próprio candidato, filiados ao partido e apoiadores de Zema —o que é legal.

Procurada, a campanha afirmou que “contratou serviço de envio de mensagem somente por WhatsApp para envio aos filiados do partido, pessoas cadastradas pelo website e ações de mobilização de apoiadores”.

Folha apurou que eleitores em Minas receberam mensagens em WhatsApp vinculando o voto em Zema ao voto em Jair Bolsonaro dias antes do primeiro turno. Zema, que estava em terceiro nas pesquisas, terminou em primeiro.

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