Em 7 de agosto de 2006, há 15 anos, era sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Lei Maria da Penha (nº 11.340/2006), um marco no combate à violência contra as mulheres. Com foco no atendimento integral às mulheres, o propósito da lei era educar e transformar a sociedade. Além da proteção contra casos de agressão física, a lei considera violência doméstica casos como agressão psicológica e violências sexual, patrimonial e moral, e protege mulheres heterossexuais, lésbicas, bissexuais e mulheres trans.
A Lei Maria da Penha foi resultado de um esforço coletivo de movimentos de mulheres e do poder público, por meio da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência, pasta criada por Lula em 2003. Alguns dos mais importantes avanços da nova lei foram, além da ampliação do conceito de violência contra a mulher, a instauração de medidas protetivas de afastamento cautelar do agressor e a proibição de penas meramente monetárias — acabando com a prática de estabelecer a doação de cestas básicas como pena, recorrente entre juízes das varas de família. A lei foi considerada pela ONU uma das melhores legislações do mundo no combate à violência contra as mulheres.
Para além da Maria da Penha, os governos petistas elegeram a luta contra a violência de gênero como prioridade. Em 2015, a presidenta Dilma sancionou a Lei do Feminicídio, houve a criação da Casa da Mulher Brasileira, o programa “Mulher: Viver Sem Violência” e o empoderamento das chefes de família por meio do cadastro do Bolsa Família e do Minha Casa Minha Vida feitos, prioritariamente, em nome das mulheres.
No entanto, assim como muitas conquistas sociais dos últimos tempos, também essas conquistas das mulheres têm sido destruídas depois do golpe de 2016 e com mais força pelo governo de Jair Bolsonaro. Os investimentos públicos das administrações, juntamente com os números de denúncias, também refletem a forma como o Estado encara a violência de gênero no Brasil. O governo Bolsonaro cortou em mais de 50% a verba federal para políticas públicas voltadas para as mulheres. Segundo levantamento feito pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), os recursos orçamentários autorizados em 2021 sofreram corte de 51,8% em relação a 2020.
O valor investido em políticas públicas para mulheres diminuiu 74% entre 2015 e 2020. No último ano da gestão da ex-presidenta Dilma Rousseff, foram investidos R$ 139,4 milhões. Em 2020, em plena pandemia, o governo Bolsonaro gastou apenas R$ 36,5 milhões.Esses dados são ainda mais assustadores se levarmos em consideração que a situação de vulnerabilidade das mulheres piorou durante a pandemia da covid-19, período em que a maioria da população se viu confinada dentro de casa. O enxugamento dos recursos voltados às políticas para mulheres tem esvaziado a aplicação de leis como a Maria da Penha. Uma pesquisa do Instituto Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que uma em cada quatro mulheres maiores de 16 anos afirma ter sofrido algum tipo de violência no último ano no Brasil. Isso significa que cerca de 17 milhões de mulheres sofreram violência física, psicológica ou sexual no último ano. Houve um aumento de 42% para 48,8% das agressões ocorridas dentro de casa.
E não é só isso. As mudanças no Estatuto do Desarmamento colocam a vida das mulheres brasileiras em risco. No Brasil, foram registrados oficialmente 1338 homicídios de mulheres por condição de gênero em 2020. A maioria desses assassinatos foi praticada por companheiros e ex-companheiros. Especialistas afirmam haver indicativos de aumento do risco à mulher na pandemia, além do provável impacto negativo das políticas de afrouxamento das regras de controle de armas e munição patrocinadas pelo presidente Jair Bolsonaro.
Essas mulheres estão sob a tutela da ministra Damares Alves, que já recebeu um reprimenda da ONU por sua falta de ação no que diz respeito a ações sobre direitos das mulheres . A ministra não esconde de ninguém que sua visão pessoal e conservadora é que norteia a construção de políticas públicas voltadas para as mulheres no ministério. Damares faz uma gestão voltada para a família tradicional heteronormativa conservadora, que invisibiliza as mulheres e, portanto, todas as políticas voltadas a elas.
Em 2020, ano em que já se sofria com o aumento da violação de direitos humanos em decorrência da pandemia da covid-19 e das diferentes crises que o Brasil vem atravessando desde 2016, o Ministério da Família e Direitos Humanos, de Damares, deixou de executar 70% do orçamento da pasta, segundo dados do Inesc.
Bolsonaro não esconde seu ódio à figura do feminino quando diz que a filha mulher é fruto de “fraquejada” ou quando exalta publicamente a figura de um torturador de mulheres da época da ditadura. É preciso resistir para que as mulheres possam sobreviver e ocupar novamente os lugares que lhes são de direito.