Lula, câmera, Bolsonaro: do ápice à tragédia do cinema brasileiro

A cultura ocupou um papel central nos governos democráticos e populares do PT. O papel do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no fortalecimento de produções do cinema nacional foi algo inédito no Brasil. Desde que assumiu seu primeiro mandato, Lula instituiu uma política de abertura de linha de crédito (por meio do Fundo Setorial do Audiovisual), o fomento a filmes autorais, desenvolvimento de projetos e uma série de outras formas de financiamento que permitiram ao cinema brasileiro alcançar sucesso de público e prêmios importantes nos festivais internacionais.

Entre 2003 e 2016, foram lançados no circuito comercial mais de 1212 longa- metragens brasileiros. Entre 1995 e 2020, durante os governos de FHC, haviam sido lançados apenas 186 filmes nacionais. A média anual quase quadruplicou: subiu de 23 filmes para 86 filmes, um crescimento de 372%.


Entre 2002 e 2015 o número de salas de cinema quase dobrou, com o público passando de 90 milhões para 173 milhões anuais. O Brasil passou de 29 longas-metragens lançados em 2002 para 139 em 2015. O setor audiovisual brasileiro cresceu a uma taxa de aproximadamente 10% em 2016 e agregou R$ 24,5 bilhões à economia do País apenas em 2014.

Somente em 2016, o Brasil produziu mais de 150 filmes longas-metragens, gerando mais de 250 mil empregos diretos e indiretos. Parte desse resultado se deve a políticas implementadas nos governos de Lula, principalmente com a criação do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). O programa Brasil de todas as telas, instituído no governo de Dilma Rousseff, ampliou o investimento na área, inclusive com constante renovação da capacitação e formação de cineastas pelas bolsas também oferecidas pelo programa.

O período foi marcado ao mesmo tempo por filmes autorais premiados e megaproduções de sucesso, como “Se Eu Fosse Você” (2006) e”2 Filhos de Francisco” (2005), de Breno Silveira, com mais de 5 milhões de espectadores cada. Entre os filmes autorais, destaca-se o cinema nordestino, em especial a Escola Pernambucana, com filmes como Amarelo Manga, de Cláudio Assis, realizado com apenas R$ 500 mil e premiado nos festivais de Berlim, Toulouse e Brasília. Entre as produções autorais premiadas do período estão “Cidade Baixa” (2005), do baiano Sérgio Machado, “Árido Movie” (2005), do pernambucano Lírio Ferreira, “O Céu de Suely” (2006), do cearense Karim Aïnouz, “Cinema, Aspirinas e Urubus” (2005), do também pernambucano Marcelo Gomes, e “Baixio das Bestas” (2006), de Cláudio Assis. Outro polo de cinema do período foi o Rio Grande do Sul, com cineastas como Jorge Furtado, Carlos Gerbase e Renato Falcão.

O apoio do Cinema a Lula

Em sua viagem pelo Nordeste, Lula tem agenda no Rio Grande do Norte com a equipe do filme Sideral, que concorreu no festival de Cannes. Durante o tempo em que Lula ficou injustamente preso graças à farsa da Lava Jato, o cineasta Kleber Mendonça Filho fez questão de mandar uma cópia do filme Bacurau, que ainda não havia sido lançado, para que o presidente pudesse ser um dos primeiros a assistir.


Kleber lembrou do episódio nas redes sociais, após o encontro do presidente Lula com Silvero Pereira, que faz o papel do Lunga no longa-metragem, em Fortaleza, no último dia 21. O ator se disse emocionado. “Eu não tenho palavras para descrever esse encontro, esse abraço”, escreveu o ator ao postar uma foto ao lado de Lula”. Vale ressaltar que Bacurau foi um sucesso de público e crítica e dominou as premiações nacionais e internacionais.

A classe artística brasileira reconhece o trabalho de Lula e sua luta pela cultura nacional. A lista dos que apoiam o ex-presidente segue crescendo e já conta com ao menos uma dezena de pessoas que querem performar na posse de Lula em 2022. Os apoiadores vão de Pabllo Vittar a Chico Buarque.

Cultura golpeada

Infelizmente essa herança tão importante só sobrevive graças à luta da classe artística após o golpe contra a presidenta Dilma, em 2016. Com Temer, a classe já viveu momentos de tensão com ameaças de fechamento do Ministério da Cultura.

Isso se concretizou com o governo Bolsonaro, totalmente avesso a qualquer manifestação cultural ou de livre pensamento. Bolsonaro sufocou a cultura e a persegue todos os dias. Depois de termos figuras admiráveis como Gilberto Gil e Juca Ferreira comandando a pasta da Cultura, sob Bolsonaro, temos o 5º secretário em pouco mais de 2 anos.

Entre os ex-secretários, Roberto Alvim foi exonerado por copiar um discurso nazista e Regina Duarte demonstrou sua inépcia e minimizou a tortura e as mortes durante a Ditadura Militar. Já o atual secretário, o ex-Malhação Mário Frias, que já foi acusado de acuar servidores ao andar armado pela Secretaria.

O governo nunca escondeu sua perseguição à Lei Rouanet, rebatizada de Pronac. Em julho, Bolsonaro publicou no Diário Oficial um decreto que regulamenta a sistemática de execução do Programa Nacional de Apoio à Cultura. Entre as principais alterações estão a ênfase aos projetos de belas artes e arte sacra e maior autonomia do governo para tomar decisões a respeito de projetos contemplados. Um terrível retrocesso, que deixa claro os interesses autoritários desse governo. Os artistas têm buscado apoio contra mais esse absurdo.

O que tem salvado os artistas na pandemia foi a lei emergencial Aldir Blanc aprovada pelo Congresso à revelia dos desejos do presidente. No ano passado, representantes do audiovisual vieram a público pedir que Bolsonaro liberasse as verbas do FSA retidas desde 2018 para evitar um colapso do setor.

A Ancine vem sendo criticada e paralisada por Bolsonaro, que não deixa de cogitar a extinção do órgão. Ele quer estabelecer filtros (em outras palavras, censurar) conteúdos patrocinados pela instituição. Em seu primeiro ano de governo, Bolsonaro propôs um projeto ao poder legislativo que diminuía em 43% o orçamento do Fundo Setorial do Audiovisual – foi a menor dotação nominal para o fundo desde 2012, quando ele recebeu 112,36 milhões. A crise na Ancine é tão profunda que impede que novos filmes sejam lançados. O setor vive uma realidade de terra arrasada.

Vemos nossa história arder e definhar


Para além disso, vemos nossa memória cultural arder e definhar. O Iphan, responsável pela preservação e fiscalização do estado de conservação de bens culturais do país, tem para 2021 o menor orçamento dos últimos 10 anos. Foram R$ 79 milhões em 2019, R$ 31 milhões em 2020 e R$ 9 milhões em 2021.

No dia 29 de julho, um incêndio destruiu parte do acervo de um galpão da Cinemateca na Vila Leopoldina, na zona oeste de São Paulo. E não foi por falta de aviso. Nos últimos anos, artistas e funcionários da Cinemateca têm alertado para a precariedade da estrutura, falta de investimentos, e risco de incêndio. Inclusive, um manifesto daqueles que trabalham na instituição, datado de 12 de abril, chamava a atenção para a precariedade das instalações.

A Cinemateca tem a função de preservar e difundir o acervo audiovisual brasileiro. É administrada pela Secretaria Nacional do Audiovisual, parte da Secretaria Especial de Cultura. Há dois anos, o contrato que a Associação Roquette Pinto mantinha com o Ministério da Educação para a gerência da instituição não foi renovado.

O governo federal se comprometeu com novo edital para a função, mas a promessa não saiu do papel. Em maio de 2020, ao demitir Regina Duarte do comando Secretaria Especial da Cultura, o presidente Jair Bolsonaro declarou, em vídeo ao lado da atriz, que ela iria para a instituição — ela, porém, jamais assumiu a função. Em agosto, ao visitar as instalações, Frias declarou que a Cinemateca estava “protegida”.

Bolsonaro tem acabado com as memórias do nosso passado assim como destrói os sonhos de um futuro melhor, mas não vamos nos deixar abater. Esse governo tem ódio das artes e da cultura porque são elas que libertam as mentes que permitem que o povo escape dessa realidade insuportável e construa desejos de dias melhores. Apesar dele e de todos os que o cercam, amanhã há de ser outro dia.

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