“Esta será uma eleição em que a gente vai ter que colocar no papel o que a gente quer, mostrar para o candidato e, se ele não assinar embaixo, não se comprometer, não votar nele”, cravou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última segunda-feira (4), em encontro com a Direção Nacional da CUT. O raciocínio se baseia no princípio democrático de que, enquanto representantes do povo, os membros dos Poderes devem sim satisfações à população quanto às suas ações, às promessas de campanha, aos valores exibidos ao som de belas trilhas em programas eleitorais e ao futuro que desejamos e pactuamos ao depositar neles nossos votos nas urnas. Trechos da fala de Lula, distorcidos e descontextualizados, viraram alvo do ódio bolsonarista.
O que Lula sugere, antes de tudo, é uma reflexão sobre os modelos de atuação na hora de responsabilizar e cobrar as pessoas colocadas no poder para agir em nome do povo. Trata-se de rever como o Congresso Nacional tem funcionado especialmente nos últimos anos e pensar de forma propositiva nos deputados, deputadas, senadores e senadoras que iremos eleger em outubro.
A convocatória para que o povo brasileiro apure o olhar para o que acontece nas Casas, contudo, não foi bem recebida por parte da ala governista. Antes, a ideia de dialogar com seus próprios eleitores despertou medo e agressividade em parte do bolsonarismo, que reagiu segundo sua já batida cartilha.
Não causa surpresa, assim, que um exemplo da fala de Lula tenha sido pinçado e tirado de contexto (confira no vídeo abaixo), mesmo tendo Lula afirmado claramente: “E se a gente mapeasse e fossem pessoas na casa do deputado. Não é pra xingar, não. É para conversar”. O diálogo, parece, é sinônimo de bala para os atuais ocupantes do poder, que partem para a ameaça quando não podem silenciar ou simplesmente exonerar quem os contrapõe.
“Qualquer coisa que a gente quiser fazer, a gente vai ter que passar pelo Congresso Nacional. As eleições de deputados e deputadas, senadores e senadoras, passam a ter muita importância, porque se não mudar o Congresso, é muito difícil imaginar que vamos fazer a contrarreforma que precisamos fazer. E se a gente ganhar e tiver minoria, não adianta chorar”.
Lula
Um dos primeiros a rebater a fala de Lula em tom antidemocrático foi o deputado federal Junio Amaral (PL-MG), que publicou em suas redes um vídeo em que carrega uma arma enquanto diz esperar receber Lula em sua casa. “Estarei pronto para uma bela e calorosa recepção”, reagiu o congressista à ideia de que o povo de sua cidade possa procurá-lo para debater demandas.
Na mesma escalada violenta e de fixação armamentista, a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) disse que autorizou a mãe a “pegar pistola e meter chumbo” caso alguém apareça em seu endereço: “Eu digo uma coisa a vocês: na minha casa tem pistola”, escreveu a parlamentar.
Coronel Lee, deputado estadual do Paraná, subiu na tribuna para ameaçar “mandar Lula para o inferno”. O deputado, PM aposentado, sugeriu ter participado de assassinatos de integrantes do MST. “A última vez que esse bando do MST e da esquerda vieram nos visitar – queriam conversar com a gente no meio do mato –, foram parar no inferno. Então, Lula, mande a sua turma toda falar com a gente, de novo. E vocês vão visitar os seus amigos que estão lá [no inferno]. É esse o nosso recado”. O PT entrará com as medidas jurídicas cabíveis contra Lee.
O pavor de ter de responder por seus mandatos logo se converteu em incitação violenta contra Lula para diversos parlamentares, mais notadamente do Partido Liberal, partido de Jair Bolsonaro, que dedicaram incontáveis publicações a uma estratégia diversionista de atacar quem convida o povo ao diálogo desde o início de sua vida política. Deputado por Santa Catarina, Daniel Freitas ameaçou ingressar com uma ação, sem especificar qual. A legenda foi questionada por jornalistas, mas até o momento não se pronunciou.
A diferença de tom é ainda mais flagrante diante do contexto real da proposta de Lula, tratada de forma leviana por parte da imprensa como provocação gratuita. Endereçando-se aos dirigentes das centrais sindicais, o ex-presidente avaliava a falta de resposta por parte da ala progressistas aos sucessivos desmontes a que assistimos nos últimos anos. “Desde o impeachment da presidenta Dilma [Rousseff], não aconteceu outra coisa a não ser derrota atrás de derrota. Eles foram desmontando [o país] e nossa capacidade de reação foi muito pequena”, ponderou.
“Quero dizer com todo o carinho a vocês que fazer ato público na frente do Congresso Nacional não move uma pestana de um deputado”, alertou. “A gente não aprendeu que temos que fazer pressão nas cidades em que as pessoas moram.”
Além disso, Lula classificou como pouco eficientes as iniciativas de levar grandes números de manifestantes a Brasília e refletiu sobre a necessidade de mudanças na forma de fazer pressão sobre o governo, de “conversar a sério com a sociedade sobre a importância de votar no Legislativo”. “Eu vou fazer campanha sobre a importância do voto nos deputados e deputadas, senadores e senadoras, isso vai ser muito importante neste processo eleitoral”, disse.
Não foi a primeira vez em que Lula cobrou maior pressão sobre os parlamentares. Desta vez, o ex-presidente foi didático sobre como se daria esse convite ao diálogo: elaborar uma carta de compromissos e exigir que os candidatos se comprometam com eles.
A ideia de assumir compromissos diretos com o povo incomodou imediatamente o entorno familiar do governo federal. Ávidos por oportunidades de direcionar ataques que tirem a atenção das denúncias contra eles – e da lista de exonerados ou afastados por tentar investigá-los –, os filhos do presidente correram às redes sociais.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-SP) partiu para um ataque à imprensa, que não teria dado visibilidade às falas, segundo ele. Deputado por São Paulo, Eduardo Bolsonaro (PL) desviar do assunto ao dizer que “Lula não está pensando em eleição num país cristão que respeita a propriedade privada”. Já o vereador Carlos Bolsonaro (PL-SP), entendeu que “conversar” é sinônimo de “aterrorizar os outros em suas casas”.
Rapidamente as redes sociais se encheram de ataques e mentiras, numa miscelânea de assuntos aleatórios para embasar ameaças ao ex-presidente. Acusam Lula de incitar a violência, justamente a artimanha de que lançam mão.
“Mostrar arma e incitar violência é coisa que não pode ficar sem resposta. O deputado tem que responder porque anda com essa arma no carro e incitando a violência”, declarou a presidenta do PT, deputada Gleisi Hoffmann ao UOL. O PT entrou com medidas contra os parlamentares que cometeram tais violências na Câmara e nas instâncias estaduais.
“A intenção do presidente, e eu estava lá quando ele falou, era falar o seguinte: o movimento sindical tem que falar com os parlamentares para tentar mudar o estado de coisas, explicar o que significa, no sentido de como o movimento sindical, as lideranças, podem conversar com os parlamentares que representam o povo”, elaborou a parlamentar.
Tão repetida é a estratégia bolsonarista que ela foi tema da própria fala de Lula na segunda-feira, antes mesmo da reação descabida a seu discurso: “É uma eleição em que vamos precisar ser muito espertos. A gente não pode cair em provocação, não pode fazer o jogo rasteiro que eles fazem. De minha parte, não farei esse jogo rasteiro, não criarei uma indústria de fake news para ficar inventando mentiras. A gente precisa criar uma indústria de dizer a verdade para o povo brasileiro”.
“Eles não têm limites. Não tiveram na eleição passada, e não vão ter nessa”, prosseguiu Lula. “Bolsonaro tem sua turma que envolve muitos milicianos, gente da direita, militares aposentados e alguns da ativa… A gente tem que saber que não está lutando contra um cara qualquer, mas contra alguém que conta de sete a oito mentiras por dia, que não tem pudor de atacar qualquer pessoa por qualquer coisa. Ele não tem critérios de respeito, de humanismo, de solidariedade.”
“Eu gostaria de uma polarização mais sensível, mais democrática, não com um fascista como o Bolsonaro, que só sabe transmitir ódio e mentiras. Mas é com ele [que estou lidando], paciência. Ele foi eleito por quem? Quem criou o clima pra elegê-lo? Não fomos nós do PT. Ele está aí e nós vamos polarizar para ganhar as eleições. A polarização existe sempre que há duas pessoas em disputa.”
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