O encontro entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e as catadoras e catadores marcado para esta quarta-feira (22) no Natal dos Catadores, em São Paulo, é mais do que um compromisso de final de ano. É um momento de celebração de uma relação de admiração e respeito mútuo entre o ex-presidente e os trabalhadores da catação de material reciclável. Uma história que dura décadas.
Ainda antes de ser eleito presidente, Lula mantinha contato estreito com o Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável (MNCR), que organizava a luta dos trabalhadores, tentando garantir políticas públicas que os incluísse de maneira produtiva à cadeia da reciclagem. Já em seu primeiro ano no governo, Lula criou um espaço de diálogo permanente com o governo: o Comitê Interministerial de Inclusão dos Catadores com a participação de 11 Ministérios, empresas públicas federais e o MNCR.
No final daquele ano, Lula participaria pela primeira vez do Natal dos Catadores. Neste dia, o presidente Lula foi homenageado como o primeiro “Amigo do Catador”, prêmio oferecido pelo MNCR para homenagear ações de parceria com a categoria. O recado de Lula aos trabalhadores foi para que o movimento “não desse mole” para o governo. O então presidente também assumiu um compromisso: participar de todos os eventos de final de ano das catadoras e catadores.
Nos anos seguintes, a cada encontro de Natal, os catadores e catadoras tinham sempre algum avanço a comemorar. Em 2004, o Ministério do Desenvolvimento Social lançou um programa nacional de capacitação de catadores. O resultado do programa foi o ponto alto das comemorações no ano seguinte: foram 1.350 lideranças capacitadas, quase dobrando a meta inicial, de 701 formados.
Em 2006, sem dar mole para o governo como havia aconselhado Lula, os catadores organizaram uma grande marcha a Brasília para levar suas reivindicações e um plano para inclusão econômica de 39 mil catadores em cooperativas e associações. O presidente recebeu os catadores no Palácio do Planalto, uma imagem que marcou Lula para sempre. Em várias ocasiões, o agora ex-presidente conta detalhes desta visita, como a permissão para que os cães companheiros dos catadores também entrassem na sede do governo.
Já em 2007, o governo Lula mudou a lei de licitações permitindo que as prefeituras pudessem contratar as cooperativas e associações de catadores sem a necessidade de licitação. Naquele Natal, o recado de Lula foi para os prefeitos, um apelo para que contratassem as cooperativas para realizar a coleta seletiva.
A crise de 2008 pegou em cheio os catadores, que dependem da economia aquecida para que o material coletado seja comercializado a preço justo. Lula foi solidário e, no ano seguinte, o governo modificou a Lei de Diretrizes Orçamentárias para poder investir diretamente nas cooperativas, fortalecendo o trabalho dos catadores, que em 2009 conseguiram se reerguer.
E o Natal dos Catadores de 2010 mereceu uma comemoração mais que especial. Naquele ano, entrou em vigor a Política Nacional de Resíduos Sólidos, incluindo a categoria na cadeia produtiva e gestão compartilhada dos resíduos sólidos no Brasil. O encontro com catadores e catadoras foi praticamente a última agenda do presidente Lula, que dias depois passaria a faixa presidencial para a presidenta Dilma Rousseff.
Foi ela quem, no ano seguinte, levou aos catadores a mensagem de Natal de Lula. O ex-presidente estava convalescente, tratando um câncer na laringe, e não podia participar de eventos públicos. Os trabalhadores da catação mostraram todo seu carinho com Lula e enviaram, pela presidenta, um presente feito de material reciclável.
Nos anos seguintes, Lula recebeu o MNCR em reuniões no Instituto Lula, participou da ExpoCatadores e se fez presente em todas as comemorações de fim de ano. Até que a Lava-Jato conseguiu seu objetivo de levá-lo à prisão. A distância forçada não interrompeu a relação entre o ex-presidente e os catadores.
O vínculo entre o primeiro chefe de Estado a receber os catadores no Palácio do Planalto e estes trabalhadores essenciais à nossa sociedade não se quebraria fácil. Em dezembro de 2018, cerca de 100 catadores de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina vieram a Vigília Lula Livre, em Curitiba, para celebrar o Natal perto de Lula. Em carta, disseram: “Presidente, todos os dias estaremos presos aqui, a poucos metros do senhor, dando bom dia e boa noite, junto com os outros lutadores sociais que por aqui permanecem. Jamais abandonaremos quem nunca nos abandonou.”
Lula respondeu: “Se os que me prenderam injustamente, sem eu ter cometido crime nenhum, achavam que iam nos impedir de estarmos juntos em mais um Natal, se enganaram. Eu estive com vocês antes de ser presidente, quando fui presidente, depois de ser presidente. Estou com vocês hoje e estarei com vocês sempre.”
Ainda na carta, o ex-presidente contou uma passagem inesquecível para ele: “E eu nunca vou esquecer minha emoção com o depoimento de uma companheira catadora, no último ano do meu segundo mandato, que disse que o mais importante que eu fiz para ela foi ela ter orgulho da profissão dela, de andar de cabeça erguida, de ter dignidade. Era para isso que eu queria ser presidente: para matar a fome do povo, dar oportunidade, dignidade e autoestima.”
Livre da prisão injusta, Lula retomou sua rotina de final de ano e voltou ao Natal dos Catadores em 2019. A felicidade do reencontro com seus amigos catadores, no entanto, ficou marcada também pela tristeza de encontrar as ruas de São Paulo ainda mais cheias de pessoas morando nas ruas. O ex-presidente apontou os culpados: o governo Bolsonaro. “Se a pessoa não governa com o coração, ela não vai entender as necessidades do povo. Essas pessoas não sabem o que é passar fome, não ter onde morar.”
Em 2020, a pandemia aprofundou a tragédia. Em maio, Lula participou de uma live com representantes dos catadores e da população de rua, para discutir projetos de solidariedade urgente e políticas para a retomada. No final do ano, o Natal foi comemorado em versão virtual. Lula enviou uma carta, lida aos participantes.
Nela, o ex-presidente reforça o sentimento de união fraterna entre ele e os catadores, dizendo na carta: “temos uns aos outros e que dias melhores virão para nós e para o Brasil”.
Lula expressou o desejo de que “no Natal do ano que vem, se Deus quiser, já teremos superado esse vírus”. Ainda não foi superado, graças ao negacionismo bolsonarista, mas a ciência, com as vacinas, trouxe o alento do reencontro.
O restante do recado do ano passado segue valendo: “O outro vírus, o da estupidez que governa nosso país, talvez ainda teremos que aguentar por mais um Natal. Mas tenham certeza que esse mal também irá passar e voltaremos a ter a solidariedade, não o egoísmo, a felicidade, não a tristeza, a inteligência, não a grosseria, a esperança, não o medo, guiando os destinos do nosso país.”
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