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Lula: “Mudou a cor da universidade e precisa mudar mais”

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva garantiu que o Brasil voltará a tratar educação e as universidades públicas como investimento e com oportunidade para todos os brasileiros. “Só vou sossegar quando o filho da empregada doméstica puder sentar no mesmo banco da filha da patroa e puder disputar a mesma vaga em igualdade de condições, e para isso nós temos que garantir comida, emprego e salário para as pessoas”, disse ele, durante aula aberta no campus da Universidade de São Paulo (USP), na noite desta segunda-feira (15/08).

Lula relembrou o boom acadêmico que o país atravessou durante sua gestão, entre os anos de 2003 e 2010. “Eu tenho orgulho, pois quando eu era presidente e o Haddad ministro, o Brasil passou a ser o décimo terceiro país em publicação de artigos científicos nas revistas especializadas. Eu tenho orgulho, pois quando nós chegamos na presidência o Brasil tinha 3,5 milhões de estudantes e quando deixamos eram mais de 8 milhões de estudantes. E se eles não gostam de estudantes, podem se preparar, porque a gente vai ter muito mais”, afirmou em seu discurso.

“Antes de nós entrarmos no governo, universidade era coisa de rico. Não tinha negro, não tinha gente da periferia. Hoje nós percebemos que mudou a cor da universidade e precisa mudar mais, porque é esse o país real, o país que nós temos que construir, cada vez mais diversidade na universidade e na cultura”, defendeu Lula.

Palestrante no evento, o professor e ex-aluno da USP e ex-ministro da Educação, Fernando Haddad recordou que Lula discursou pela última vez naquele campus no final da década de 1990. “Eu queria muito que o Lula viesse à USP, pois, se por educador nós entendemos não apenas aquele que entra na sala de aula para educar, mas aquele que oferece a oportunidade do encontro entre o educador e o educando, nós estamos na presença de um dos maiores educadores desse país. Um operário que não teve a oportunidade de ter a educação formal, mas, talvez por isso mesmo, tenha sido o presidente que mais abriu vagas em universidades públicas na história do Brasil”, declarou.

Aula aberta

A professora Marilena Chauí, palestrante da aula aberta, reforçou que é dever dos jovens estudantes que defendem a democracia ocuparem as ruas. “Nesse momento existem no Brasil 681 mil mortos pela pandemia, 33 milhões de pessoas passando fome e 22 milhões de desempregados. Isso se chama crueldade. Um filósofo, há muito tempo atrás, escreveu que a covardia é a mãe da crueldade. O covarde, como ele é medroso, como tem medo de tudo, precisa exibir, sem cessar, signos e sinais de força: armas, milícia, morte. A covardia produz a crueldade”, dissertou.

E prosseguiu. “A nossa primeira tarefa é conversar com as pessoas, explicando que o auxílio emergencial só foi possível por causa [dos partidos] da esquerda, que votaram por isso. A segunda tarefa é fazer com que a população compreenda que as coisas vão mudar, mas com um ritmo lento, diante de um cenário que será encontrado. Não há democracia sem aquilo que é o coração democrático que é a criação, a garantia e a conservação de direitos, e foi o que nós perdemos nesses quatro anos”.

Revolução na educação

Também palestrante, a arquiteta e urbanista Ermínia Maricato afirmou que a comunidade acadêmica tem uma missão: “para além de alimentar o autoconhecimento da nação brasileira e ajudar a superar as narrativas anticientíficas e manipuladoras, a universidade pública pode ter um papel mais ativo na elaboração de propostas e soluções para os grandes problemas nacionais. O SUS é um exemplo, nós temos o Instituto Butantan ao lado da Universidade”.

Maricato comentou ainda o sistema de cotas, de iniciativa do governo Lula, que naquela altura tinha o Fernando Haddad como ministro da Educação. “As cotas iniciaram um processo sem volta na universidade brasileira, deu início a uma revolução! A universidade pública passou a incluir parte da população que a sustentava, mas que não incluía os excluídos. Em 40 anos dando aula na USP, eu tive um colega negro e um aluno negro. Agora, são 80 na faculdade de arquitetura”, relatou, sob aplausos, a professora. “A USP tem mais de 61 mil estudantes de graduação, 32 mil de pós, 5,4 mil professores, 13 mil funcionários. Somos 112 mil pessoas, um exército do bem, da paz, que pode mudar a história do estado de São Paulo. Conhecimento histórico, científico e técnico para o bem comum, mãos à obra!”, completou Maricato.

Racismo estrutural

A geóloga Adriana Alves abordou o racismo estrutural presente na sociedade brasileira e os desafios das minorias diante do cenário político atual. “Se num primeiro momento escravizados perderam por completo sua referência humana, ainda hoje negros e negras lutam pelo exercício de sua plena cidadania. Ainda lutamos por uma humanidade que nunca chegou por completo. Há quem nos trate como bichos e se refiram ao nosso peso em arrobas. Lutamos por uma liberdade em vida que, para nós, pode estar apenas a uma batida policial de distância. Lutamos pelo direito ao voto, pelo direito a propriedade, pelo direito ao acesso à saúde e a educação e pela descriminalização de nossas práticas religiosas e culturais”, disse.

“As pedras no caminho da plena democracia são muitas e a solução passa, inegavelmente, pela diversidade e pela valorização das diferenças, e não apenas a valorização das desigualdades de gênero e diferenças de gênero e raça, mas também é necessário promover a efetiva inclusão, escuta e diálogo das comunidades indígenas, da população LGBTQIA+ e das pessoas com deficiência. Que esses grupos tenham espaço não apenas de fazer chegar suas pautas, mas que sejam convidados também a participar da elaboração e implementação de políticas que levem em conta a particularidade de suas lutas”, finalizou Alves.

O evento foi organizado pelo coletivo “USP Pela Democracia”, formado por professores, alunos e servidores da universidade. Entre os oradores, Maurício Terena representou a Associação dos Povos Indígenas (APIB), enquanto Ana Luiza Tibério, Julia Köpf e Flávia Calé discursaram em nome dos estudantes da graduação e pós-graduação.

Nas apresentações, Marlui Miranda interpretou a cantiga de guerra “Valente Pagon Awei Amibára”, do povo Paiter Surui. Ceumar Coelho e Jonathan Silva interpretaram a música Samba da utopia. A mediação do evento ficou a cargo da professora Sônia Kruppa, da doutoranda Merllin de Souza e do radialista Moisés da Rocha.

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