O Brasil não pode ficar eternamente condenado a ser uma simples promessa, uma remota possibilidade de nação desenvolvida. Para crescer, ter prosperidade e sair da condição inédita de pária internacional a que foi submetido por Jair Bolsonaro, o país precisa de um amplo projeto de reconstrução nacional, que envolva toda a sociedade civil, defende o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em entrevista concedida para a Rádio CBN Santa Catarina, nesta sexta-feira (13), Lula lamentou os efeitos do plano de destruição do Estado brasileiro implementado por Bolsonaro e pelo ministro da Economia Paulo Guedes. “Temos de incluir o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda”, defende Lula, para quem a distribuição de renda é único caminho viável ao país. A seguir, os principais trechos da entrevista.
“Hoje temos 19 milhões de brasileiros passando fome e outros 24 milhões em situação de insegurança alimentar. Ou seja, pessoas que não estão conseguindo ingerir as calorias necessárias. Esse é o dado concreto que nós temos que combater”, ressaltou Lula. Ele também chamou a atenção para o número alarmante de 15 milhões de desempregados e outros 34 milhões de trabalhadores que desistiram de procurar emprego. “Temos uma predominância do trabalho intermitente, do bico. É assim que está vivendo o povo brasileiro hoje”, disse o ex-presidente.
Para Lula, é necessária uma participação estratégica do Estado para integrar as diversas áreas da economia e fomentar desenvolvimento com crescimento inclusivo. “Precisamos de políticas públicas sólidas para criar emprego, é a forma mais justa de fazer com que a sociedade viva bem”, justificou Lula.
“Nós aumentamos o salário mínimo em 74% quando [eu e Dilma] fomos presidentes, criamos políticas sólidas não apenas para a pequena e média agricultura familiar mas também para o pequeno consumidor”, explicou Lula.
Ele lembrou que isso só foi possível porque o governo criou o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) para estimular a produção e o consumo local e garantir o sustento das famílias de pequenos agricultores. O programa, a exemplo do Bolsa Família, também passou a ser referência internacional.
“É preciso incluir o pobre no orçamento da União e o rico no imposto de renda. Na hora que fizermos isso, vamos começar a fazer uma distribuição de riqueza nesse país para transformá-lo em um Estado de bem-estar social”, concluiu o ex-presidente.
Lula questionou o papel da elite brasileira, historicamente atrelada a uma mentalidade escravocrata e antidesenvolvimentista. “Por que não temos desenvolvimento, crescimento? É porque a elite brasileira nunca se preocupou com os outros, sempre se preocupou com o próprio umbigo”, criticou.
“Esse povo tem que ter voltar a ter o direito de trabalhar, estudar, o direito de um salário digno, o direito do agricultor viver decentemente da sua produção e o comércio que conseguir fazer”, pontuou o líder petista.
Para Lula, o Brasil precisa da participação popular para se encontrar como nação. “Esse país pode ser reconstruído com o povo. Esse país pode e tem o direito de ser um país grande economicamente, do ponto de vista social, com o povo respeitado”.
Lula também comentou sobre um possível processo de impeachment de Bolsonaro na Câmara dos Deputados. Ele defendeu a interdição urgente do ocupante do Planalto por inúmeros crimes de responsabilidade cometidos à frente da Presidência. Mas destacou que a decisão está nas mãos do presidente da Câmara, Artur Lira.
“Nós entramos com um pedido, na Suprema Corte, para que haja uma interdição do mandato do Bolsonaro pela quantidade de crimes que ele ja cometeu, de desrespeito às instituições”, explicou o presidente. “Bolsonaro governa baseado na mentira, ele não tem nenhuma preocupação com a verdade”.
“O presidente [Lira] chegou a ter 100 pedidos de impeachment de Bolsonaro e não colocou nenhum em votação”, observou Lula. “E o PT e a oposição têm cobrado muito, mas isso não muda o fato que é o Lira quem tem que pautar”, afirmou.
Lula diz ter convicção de que Bolsonaro será removido do Planalto por impeachment ou por voto popular. “O Bolsonaro colocou o Lira lá porque ele tem sido um parceiro dele nas votações”, frisou Lula. “E eu não acredito que ele vá pautar o impeachment. Mas o dado concreto é: se não tiver impeachment ou o Bolsonaro não for interditado, ele será derrotado pelo povo nas eleições”.
“Bolsonaro não continuará sendo presidente do Brasil . O país precisa de um presidente com vocação humanista, que utilize a palavra paz, que distribua livros, não armas”, disse Lula.
“O Brasil Não tem contencioso, Temos um presidente que não é recebido em lugar nenhum do mundo e ninguém quer vir aqui. O Brasil não é isso. Ele lembrou que quando foi presidente, o Brasil mantinha diálogo com todos os países e blocos e citou exemplo de EUA, América Latina, Ásia, África.
Lula também voltou a comentar os efeitos da polarização sobre o debate político nacional. “As pessoas não têm de ter medo da polarização. A polarização que existe hoje é: um representa a democracia e outro representa o fascismo, a antidemocracia, o negacionismo. O povo vai escolher entre a democracia e o fascismo”, resumiu.
“Tem muita especulação e bobagem que leio nos jornais”, rebateu Lula, sobre a ideia de que o PT prefere disputar com Bolsonaro. “Eu não escolho candidato. Até porque o dado concreto que as pesquisas mostram é que eu venceria os demais candidatos e não só o Bolsonaro. Mas eu vou com muita calma porque estamos a um ano das eleições”, recomendou.
Lula condenou ainda as práticas nada republicanas de Bolsonaro de utilizar instrumentos institucionais para proteger os amigos e os filhos, por meio da tentativa de aparelhar órgãos de controle e fiscalização. Ele fez referência aos “critérios” de Bolsonaro, por exemplo, de indicar ao STF ministros evangélicos.
“Continuo acreditando na democracia. Se eu voltar a ser presidente da República, o procurador-geral será escolhido entre o mais votado, o ministro da Suprema Corte será escolhido pelo seu potencial, pelo seu conhecimento jurídico, não vou querer um amigo meu”, argumentou. “Quero uma pessoa em quem a sociedade possa ter confiança, se não você avacalha as instituições, a democracia”.
O ex-presidente lembrou que foram os governos do PT os responsáveis pelo incremento e ampliação dos órgãos de controle e fiscalização do Estado e que nunca houve tentativas de impedir investigações, inclusive de nomes ligados ao partido.
“Defendo uma Polícia Federal forte, um Ministério Público forte, uma Receita [Federal] forte”, esclareceu. “Agora, essa pessoas têm de ser fortes, não apenas por conta do que está na Legislação, mas também pelo comportamento moral e ético. Por isso é que digo que [Deltan] Dallagnol não montou força tarefa, montou uma quadrilha com a qual queria se beneficiar”.
Confira a íntegra da entrevista:
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