Ricardo Carneiro, no Roda Viva: “o desemprego é a parte mais visível e mais dramática da atual crise do país”

Compartilhar:

Nesta segunda-feira (17/9), o Roda Viva, da TV Cultura, teve a Economia como tema central e serviu para cristalizar ainda mais as diferenças entre as visões de país e de soluções para a grave crise que acomete o Brasil. Em poucas e breves palavras, o debate poderia ser resumido em três principais vertentes: a Economia que conta com o papel do Estado; a Economia que será, em tese, resolvida somente pela mão invisível do mercado; e as soluções para a Economia que não são visíveis para o eleitor.

No primeiro caso, concentravam-se, principalmente, as propostas de Ricardo Carneiro, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), representando a candidatura de Fernando Haddad (PT) e de Manuela D’Ávila (PCdoB). No campo privatista, o tucano Pérsio Arida representava a candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB). A terceira linha seria figurada pelo economista Paulo Guedes; entretanto, o programa não contou com a participação de nenhum representante da candidatura de Bolsonaro (PSL). Estavam presentes, ainda, Mauro Benevides, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e representante de Ciro Gomes (PDT), e Bazileu Margarido, economista e representante de Marina Silva (REDE).

Diferença essencial
Logo nas considerações iniciais, as diferenças entre o programa de Haddad, Lula e Manuela e dos tucanos já saltaram à vista. Ricardo Carneiro afirmou que “o desemprego é a parte mais visível e mais dramática da atual crise do país”, ao lado do nível de endividamento das pessoas e das empresas.

O professor da Unicamp defendeu como medidas iniciais essenciais do próximo governo “a recuperação do investimento público, do investimento das estatais, a criação de um fundo público para investimento em infraestrutura, com uso de parte das reservas cambiais, além do fortalecimento dos programas sociais, como o Minha Casa Minha Vida, o Bolsa Família e o Salário Mínimo, além de facilitar e baratear o acesso ao crédito para a população e empresas”. Ou seja, o Estado e o investimento público são elementos estruturais dessa retomada da economia do país.

O tucano Pérsio Arida, por seu turno, caminhou em direção oposta. Na avaliação de Arida, a responsabilidade fiscal, a abertura da economia e as mudanças na governança da economia serão essenciais para o crescimento, assim como as privatizações. “Privatização é necessária. A máquina pública tem que ser voltada a atender a população e não a atender a si mesma”. Para o tucano, “quem gera empregos é o setor privado. A noção de que cabe ao governo criar empregos me parece um total equívoco, e é irrealista”. Revela-se, portanto, a mais pura repetição do que o governo ilegítimo de Temer propôs e não entregou.

Ricardo Carneiro destacou que o timing de resolução do déficit entre receita e gastos do governo é fundamental no debate. “Nossa meta é de zerar esse déficit em quatro anos, e não em dois”. O economista da Unicamp alerta: “A economia teve uma queda de quase 10% do PIB e hoje está estagnada. Não pretendemos aumentar o déficit, mas também não pretendemos fazer um movimento que promova mais recessão”. Para ele, “independente do debate do papel do Estado”, buscar esse tipo de objetivo proposto pelo programa do PSDB, em uma economia estagnada, pode provocar mais recessão e estagnação.

Divergência histórica
Ainda no debate sobre o papel dos setores público e privado na economia, o representante da campanha de Alckmin afirmou não ver papel para o Estado, “sequer na questão do crédito via bancos públicos”. Para ele, essa temática deve ser enfrentada por meio de: cadastro positivo, mais competição bancária, mais bancos operando no país, entrada de bancos estrangeiros no Brasil e recursos públicos para garantia de empréstimos.

Ricardo Carneiro reconheceu que essa é outra divergência histórica entre as escolas de economia às quais cada um dos dois se filia. O professor ressaltou que a inadimplência no Brasil é paga pelo contribuinte e que a margem de lucro dos bancos não se altera em cenário algum. Justamente por isso, o plano de governo de Haddad e Manuela propõe uma taxação progressiva sobre os spreads (diferença entre os juros pagos e oferecidos pelos bancos) cobrados pelas instituições financeiras: “Precisamos conversar francamente com os bancos sobre a questão do spread e da margem de lucro”.

Carneiro relembrou que, na década de 1990, houve abertura do setor, as instituições estrangeiras vieram, mas depois esses bancos foram embora. “O único que ficou foi o Santander. Os grandes bancos brasileiros acabaram comprando os ativos dos demais”. Para o economista da Unicamp, a maior participação do setor privado nesse segmento somente será viável por meio da estabilização e da menor volatilidade da economia em geral.

O público e o privado, de novo

Em sua explicação sobre como fazer a transição das questões emergenciais para as propostas mais estruturais, Ricardo Carneiro falou da importância de se trabalhar a temática da distribuição de renda para o enfrentamento da desigualdade. “Para isso, propomos uma Reforma Tributária progressiva”.

O professor da Unicamp destacou que as questões da produtividade e de estabilidade também são centrais no projeto de Haddad para a economia. Carneiro defendeu que as mudanças para a Previdência devem ser discutidas nesse contexto e que o aumento da produtividade também afeta a questão da economia brasileira no longo prazo. “Precisamos de investimento público direto e de um financiamento público que estimule o investimento privado nessa direção”.

Por fim, Carneiro afirmou que a medida da estabilidade será fundamental para a economia brasileira nos próximos anos. “Nesse sentido, você não pode mais conviver com esse patamar de juros e com esse câmbio que o país enfrenta, com toda essa volatilidade”.

No Plano de Governo de Haddad, Manuela e Lula, você pode conhecer mais sobre os programas Salário Mínimo Forte, Imposto de Renda Justo, Dívida Zero e Programa Meu Emprego de Novo.

Por fim, mas não menos importante, Ricardo Carneiro declarou que “não concordamos com a regra do teto dos gastos públicos corrigido pela inflação”, e que isso precisa ser revisto. “Não concordo com uma regra dessas em uma economia como a nossa”. Para Carneiro, os gastos públicos precisam estar indexados ao PIB (Produto Interno Bruto), o que mantém a carga tributária constante e possibilita a redistribuição de renda e de investimentos.

O economista elencou que, no Brasil, são necessários investimentos públicos, a geração de recursos com as concessões, o financiamento privado, a utilização de parte das reservas cambiais e a recuperação de taxas de investimentos público e privado. Todas essas medidas são necessárias para a economia voltar a crescer. Ao mesmo tempo, é preciso que os gastos sejam ajustados. “Há revisões importantes para fazer, sobretudo nos gastos tributários e nas isenções fiscais”, destacou, explicando que essas medidas todas reunidas representam importantes parcelas do PIB.

O professor da Unicamp saudou, em sua conclusão, “o debate civilizado [como] muito importante”. Ele lembrou que “fomos um governo que, durante 14 anos, respeitou regras, contratos etc.”, acrescentando que “quem quer que ganhe a eleição fará um programa que não será exatamente ‘puro-sangue’. Precisará sentar e negociar”.