O Brasil se aproxima da marca de 680 mil mortos em decorrência da covid-19. Um número que não traduz a perda de mães, pais, maridos, esposas, familiares, amigos e colegas de trabalho. Por muito tempo sem velórios, abraços e rituais de despedida, o luto foi abreviado.
A perda é uma dor sem medida. Pior é saber que mesmo esse número inaceitável de mortes está longe de representar a realidade. A falta de testagem em massa e a subnotificação de casos acompanharam a pandemia desde a confirmação dos primeiros casos, o que se agravou com um verdadeiro apagão de dados oficiais, que servia apenas para os fins negacionistas de quem queria dizer que tudo estava bem. Veículos de imprensa se uniram em um movimento inédito para contabilizar eles mesmos os dados de mortes diárias que o Ministério da Saúde levava até dois meses para processar. Ao contrário do que dizia Bolsonaro, não era só uma gripezinha.
Não causa espanto que o Brasil tenha sido considerado o país que pior respondeu à pandemia do novo coronavírus em todo o mundo. O governo jamais instituiu uma política nacional de isolamento social — e criou rixas públicas com governadores e prefeitos que o adotaram durante meses. Quem pôde, adaptou a rotina para trabalhar de casa, à distância. Quem não tinha dinheiro sequer para se proteger de uma doença ainda sem cura, teve de ir à rua e se expor a contaminações a mando do próprio presidente da República. Viramos o epicentro da pandemia, topo de ranking.
O sistemático desmonte de uma série de políticas cobrou seu preço. Nunca houve um comitê nacional integrado entre especialistas estados e municípios, ou mesmo uma logística nacional para transferência de leitos e recursos entre os estados, e faltou cama no hospital, luvas e até seringa. Faltou oxigênio. Faltou até caixão e cova para enterrar tanta gente, e familiares convivem até hoje com a dor de se despedir de um grande amor embrulhado em sacos plásticos ou em valas comuns.
Enquanto isso, quatro ministros passaram pelo Ministério da Saúde. Três deixaram a pasta por conflitos com o mandatário. Uma CPI implodiu suspeitas de corrupção nas compras de vacinas, as mesmas que o chefe de Estado impediu o máximo que pôde que chegasse a nossos braços. Não havia respeito pela ciência, o presidente promovia aglomerações, incentivava o uso de remédios sem eficácia comprovada no tratamento da covid-19. O gabinete do ódio mentia, brincando com vidas. Enquanto o país agonizava, ele fazia troça com quem morria literalmente sem conseguir respirar. Resta pouco de humanidade em quem trata a morte em massa como piada.
Por trás de cada número nesta conta mórbida, há uma lágrima, uma história, uma perda. Mais do que isso, há a escolha política e pessoal de um homem que, movido pelo ódio, jamais se condoeu ou enviou solidariedade às centenas de milhares de pessoas, os incontáveis órfãos da pandemia. Por trás dos números, há as pelo menos 400 mil vidas que poderiam ter sido salvas caso algo de sério tivesse sido feito. Agora Bolsonaro quer que a gente faça o quê?