Clara Ant: ‘Brasil e África passam por processos simultâneos de desenvolvimento econômico’

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Responsável pela coordenação da agenda de Luiz Inácio Lula da Silva, Clara Ant foi uma das principais assessoras do ex-presidente e dirige, desde agosto do ano passado, o Instituto Lula e a Iniciativa África desta instituição, que cuida do acervo histórico e do intercâmbio internacional das experiências políticas do ex-chefe de Estado. Auxiliar na troca de experiências no terreno social, apoiando a divulgação dos programas de sucesso brasileiros de combate à fome e à miséria é um dos seus principais objetivos.

 Esta entrevista foi publicada originalmente na revista Africa 21.

Por João Belisário

ÁFRICA21. Por que razão o Instituto Lula começou a preocupar-se com o continente africano?

CLARA ANT Desde o início do seu primeiro mandato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva priorizou a relação com os países africanos em várias áreas. Além desse relacionamento estar inserido numa política geral de intensificação das relações Sul-Sul e de diversificação dos parceiros comerciais, foi dada uma atenção especial aos países africanos, com a intensificação de nossas relações diplomáticas e de cooperação. No final do seu segundo mandato, Lula tinha realizado 33 viagens para o continente visitando 23 países. Foram instaladas 19 novas embaixadas do Brasil em países africanos. Bons exemplos da cooperação do Brasil com os países africanos são a construção da planta de antirretrovirais em Moçambique, em parceria com a Fiocruz, e as ações da Embrapa em vários países. Em poucas palavras, trata-se de cooperar para que os próprios africanos tenham meios de conduzir o seu desenvolvimento. No mesmo dia em que entregou a faixa para a presidenta Dilma, Lula declarou que iria se dedicar a intensificar o relacionamento entre Brasil e povos e países africanos. Daí surgiu a Iniciativa África, como uma das áreas a que o Instituto Lula, criado em agosto do ano passado, vem se dedicando.

Quais são os objetivos da Iniciativa África do Instituto Lula?

Temos quatro objetivos principais: 1. Auxiliar na troca de experiências no terreno social, ao apoiar a divulgação dos exitosos programas brasileiros de combate à fome e à miséria. 2. Incentivar as relações comerciais e produtivas das empresas brasileiras que atuam ou pretendem atuar na África. 3. Apoiar as iniciativas na luta pela paz, pela democracia e pela solidariedade internacional. 4. Incentivar as manifestações culturais que destacam nossa identidade com os povos africanos.

Que ações foram realizadas até hoje em relação ao continente africano no âmbito do instituto?

Foram várias iniciativas, de naturezas diferentes. Cito algumas delas: apoiamos a realização de dois importantes fóruns para discutir nossas relações comerciais, um deles em São Paulo, outro no Rio de Janeiro, tendo a FIESP [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo] e o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] como parceiros. Ambos com importante presença de lideranças africanas, embaixadores, empresários, estudiosos e autoridades brasileiras. Participamos como observadores das três últimas sessões da Conferência da União Africana, duas delas em Adis Abeba e uma em Malabo. Nesta, o presidente Lula foi convidado especial. Realizamos dezenas de encontros e reuniões com embaixadores e autoridades africanas, representantes de ONG internacionais que atuam na África, pesquisadores brasileiros, organismos multilaterais, empresários, representantes de órgãos de governos brasileiros e grupos de brasileiros que atuam em atividades culturais e de cooperação na área social. Criamos uma rede de colaboradores, sobretudo especialistas que estudam e acompanham os acontecimentos na África há muito tempo e que nos ajudam muito como referência teórica.

Quais são os vossos planos mais imediatos e a longo prazo?

No momento trabalhamos principalmente no apoio a um importante evento que está sendo organizado pela FAO. Será um encontro de lideranças e autoridades africanas e internacionais para discutir, coordenar e unificar as ações para combater a fome e a miséria na África. Ele deve acontecer no começo de 2013, em Accra, Gana. Pretende-se reunir ali os principais dirigentes da União Africana, chefes de Estado e de governo, dirigentes das principais ONG que atuam no continente, autoridades brasileiras e empresários. Acreditamos que o Brasil pode ajudar muito nesse terreno, pois nossos programas sociais tiveram grande êxito por aqui, em particular os referentes à agricultura, área crucial para o desenvolvimento do continente africano. Creio que muito do que foi feito aqui pode servir de referência para, com o jeito próprio de cada país, superar a fome e a miséria que vitima uma boa parte da população que ali vive.

Quais são os principais parceiros do instituto no Brasil e no continente africano, governos, ONG, instituições internacionais, empresas?

Antes de tudo é preciso dizer que trabalhamos em sintonia com o governo brasileiro, não fazemos nada que crie qualquer espécie de conflito com as diretrizes da presidenta Dilma e dos ministérios, em particular o Itamaraty, o MDS, o MDA, o MAPA [respetivamente, ministérios das Relações Exteriores; do Desenvolvimento Social; do Desenvolvimento Agrário; e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento], entre outros. Dialogamos bastante com as embaixadas de países africanos em Brasília, com organismos multilaterais como a FAO, o PNUD, o Banco Mundial; com as empresas que já têm ou pretendem ter negócios na África, discutimos ações conjuntas com diversas instituições brasileiras e internacionais que atuam em diversos terrenos. Acreditamos que podemos servir de ponto de apoio para a articulação e potencialização do trabalho de muitas instituições que têm atuado em África mas operam separadamente umas das outras.

Que tipo de atenção merecerá por parte do instituto os países africanos de língua oficial portuguesa?

Claro que a língua comum é um grande facilitador no contato. Acompanhamos de perto todas as iniciativas da CPLP, o presidente Lula acabou de receber uma bela homenagem da Comunidade. Foi durante seu governo que o Brasil criou a UNILAB, Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afrobrasileira no Ceará. É nesses países que estão alguns dos maiores empreendimentos de empresas brasileiras na África. Também é com esses países que ficam mais nítidos nossos laços culturais, facilitando maior intercâmbio, ações de cooperação na área social e a presença de outras empresas brasileiras.

Muitos países africanos têm interesse em conhecer mais profundamente a experiência de combate à fome e à miséria desencadeada pelo governo do presidente Lula, muitos até já anunciaram medidas nesse sentido. Até que ponto o modelo brasileiro pode ser aplicado na África?

Acho que não devemos falar em «modelo brasileiro». Acreditamos que os programas sociais que deram certo no Brasil estavam adequados à conjuntura local, à nossa história, às especificidades da sociedade brasileira. Várias delegações de países africanos têm demonstrado interesse em conhecer esses programas. O importante é que os governos e as organizações da sociedade se apropriem dessas experiências no que lhes for útil e as adaptem e aprimorem de acordo com seus desafios locais. Em Angola, por exemplo, o presidente Eduardo dos Santos propõe seu «Programa Nacional de Rendimento Mínimo», inspirado no nosso «Bolsa Família».

Além do combate à fome que outras ações o instituto prevê desenvolver juntamente com os seus parceiros africanos?

Nós passamos por um processo de estruturação, o Instituto tem apenas um ano de vida e foi nesse período que o presidente Lula teve que travar sua dura luta contra um câncer. Boa parte do nosso tempo continua sendo gasta na busca de conhecimento e de estabelecimento de relações com pessoas e instituições que já atuam na África faz algum tempo. Percebemos que a conjuntura atual é excepcional para o crescimento das relações do Brasil com a África em todos os aspectos: econômico, social, cultural, diplomático. Nunca na história, Brasil e África passaram por processos simultâneos de desenvolvimento econômico. O Brasil é hoje a sexta economia do mundo, a África, cresce de 5 a 6% ao ano desde 2001 e deve continuar crescendo. São enormes as oportunidades de negócios na África para as empresas dos países ricos e dos emergentes. A União Africana aprovou neste ano seu «Programa para o Desenvolvimento de Infraestruturas», o PIDA, que procura criar condições para integrar o continente em áreas vitais como a da energia e dos transportes. Creio que podemos ajudar no estabelecimento de parcerias entre os governos africanos e empreendedores brasileiros. Assim como podemos incentivar acordos de cooperação que ajudem os países africanos nos caminhos da autossuficiência alimentar, da democracia, da paz e de uma maior justiça social.


CLARA ANT

Clara Ant, 64 anos, é uma pessoa extremamente discreta sobretudo em relação ao cotidiano do presidente Lula, já que tem contato com a sua agenda há mais de dez anos. Está habituada a trabalhar com um grande volume de informações e demandas e é considerada uma pessoa muito atenta aos detalhes, que exige muita precisão e rigor nos trabalhos.  Ant formou-se em Arquitetura na USP, foi professora de Planejamento Urbano na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PUC de Campinas, diretora do Sindicato dos Arquitetos de São Paulo e da Federação Nacional dos Arquitetos. Fundadora e uma das primeiras mulheres dirigentes da Central Única dos Trabalhadores, CUT. Deputada estadual, líder da bancada do Partido dos Trabalhadores na Constituinte Paulista (1987/88), integrante da Comissão Executiva Nacional do PT (1995/2001), tesoureira da campanha presidencial de 1998. Participou das Caravanas da Cidadania, da elaboração dos projetos de políticas públicas no Instituto Cidadania e dos programas de governo de Lula para as disputas presidenciais. Administradora da Região da Sé da Prefeitura paulistana (2001/02) coordenou o Plano Reconstruir o Centro de São Paulo. Integrou a Equipe de Transição (2002) e, entre janeiro de 2003 e abril de 2010, assessorou o presidente da República. No Gabinete do presidente, coordenou a elaboração de informações e o acompanhamento de decisões. Ainda na função, participou de visitas técnicas à Casa Branca, em 2005, e ao governo francês, em 2007. Na África acompanhou  Lula ao Senegal, à Guiné Conakry, à Guiné Equatorial e à Etiópia. Participou da Coordenação da campanha presidencial de 2010 e integrou a equipe de Transição Governamental da presidenta Dilma Rousseff.