Políticas de austeridade de hoje condenam a uma recessão perpétua, diz líder da esquerda grega em encontro com Lula

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O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se encontrou na manhã desta terça-feira (18) com Alexis Tsipras, líder do partido de esquerda grego Syriza. Tsipras, junto com sua delegação, visitou a sede do Instituto Lula, em São Paulo, num encontro que durou cerca de uma hora e meia.

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A conversa girou em torno da crise internacional, que castiga duramente a Europa e a Grécia em especial. “Viemos de um país que foi eleito como cobaia da crise europeia”, disse Tsipras logo no início do encontro. Lula, que na semana passada esteve em Paris no “Fórum pelo progresso social”, concordou com Tsipiras que as políticas de austeridade estão castigando ainda mais os trabalhadores europeus e é necessário retomar o caminho do crescimento para sair da crise e evitar que ela se espalhe por outras regiões do globo.

Crítico das políticas de austeridade que têm onerado os trabalhadores, em especial a juventude, Tsipras disse que resolveu iniciar sua viagem internacional pelo Brasil porque considera que aqui o governo de Lula provou para o mundo que é possível ter sucesso enfrentando a crise com caminhos alternativos. Lula perguntou se o povo grego acredita que a crise está terminando e Tsaris foi taxativo ao dizer que não. “Nos últimos três anos, recebemos 140 bilhões de euros em empréstimos. Desse valor, só 19 bilhões foram para a economia real. Esses empréstimos estão nos condenando a uma recessão perpétua, porque não temos a menor possibilidade de pagar essa dívida”. E ele lembrou ainda que há um problema político, porque este é um ano eleitoral na Alemanha e Angela Merkel, a chanceler alemã e líder europeia nas políticas de austeridade, não quer aceitar que o problema fracassou.

Tsaris disse a Lula que o remédio da austeridade não está funcionando na Europa e, mesmo assim, os governos só fazem aumentar a dose desse remédio. O grego propôs uma Conferência Internacional para debater esses problemas, como a conferência feita em 1953 e que perdoou quase 65% da dívida alemã no pós-guerra. “A Europa tem que trilhar o crescimento para superar a crise, precisamos de um plano Marshall de investimentos, uma mudança na política de impostos, que recaem fortemente sobre os trabalhadores e a classe média, e um programa de investimento na infraestrutura do país”.

“O povo está sendo barbaramente atingido por esta crise. A renda média sofreu uma redução de aproximadamente 40%, o PIB caiu 25 pontos nos últimos quatro anos e a taxa oficial de desemprego já é de 26%. Entre os jovens, passa de 50%.” Tsipras ainda citou estatísticas europeias de que, neste momento, um terço da população grega vive abaixo da linha de pobreza. “Não seria exagero dizer que a Grécia, um país no coração da Europa, em desenvolvimento, com renda per capita de país desenvolvido, neste momento enfrenta uma crise humanitária”, lamentou.

Lula lembrou que no seminário “Fórum pelo progresso social” organizado em conjunto em Paris pela Fundação Jean-Jaurès e pelo Instituto Lula, o mesmo assunto foi debatido. “Segundo discussões de economistas aqui no Brasil e no seminário que fizemos em Paris, o problema da Grécia teria sido resolvido com 40 bilhões de dólares no ano de 2009. E agora necessitamos muitas vezes esse valor”. E concordou com a visão de Tsaris de que, resolvido o problema político, fica mais fácil resolver o problema econômico desta crise.

“Eu fui candidato a presidente em 89 aqui no Brasil e, naquela época, a dívida da Itália ja era de 120% do PIB. Isso nunca foi problema, porque a Itália tinha dívida cara, mas os títulos eram de longo prazo. A dívida dos EUA é maior que o PIB americano, mais de 17 trilhões de dólares, e isso não traz nenhuma preocupação? Por que de repente a dívida dos países mais pobres da Europa ficou problemática? Essa dívida estava na mão de quem? De bancos franceses — a grega especialmente — e de bancos alemães. Se eles tivessem pensado politicamente, teriam resolvido essa crise no seu nascimento. De 2008 até agora já foram colocados 9,5 trilhões de dólares para salvar o sistema e o problema não esta resolvido. Quando, na verdade, parte desse dinheiro poderia ser gasto para retomar produção e crescimento econômico”. E finalizou retomando uma frase que já havia dito em Paris: “A impressão que eu tenho, muito cuidadosa, é que o atual conjunto de lideranças da Europa são todos filhos do Estado de Bem-Estar social e que não estavam habituados a viver essa tempestade. Falta algum tipo de governança global que possa regular o sistema financeiro”. Para Lula, a capacidade do FMI e do Banco Mundial de ajudar a Europa nesta crise é pequena, porque são instituições que foram criadas para atuar em crises de países pobres, não nos ricos.

E terminou com uma mensagem de otimismo para os gregos, recordando o que aconteceu aqui no Brasil. “Eu lembro que no dia 22 de dezembro de 2008 eu entrei em rede nacional para fazer um pronunciamento à nação brasileira. Havia um clima de terror, dizendo que o povo não ia comprar porque estava com medo de perder o emprego. Fui para a TV e fiz um pronunciamento dizendo que era verdade que tinha o início de uma crise, e que essa crise no Brasil seria uma marolinha. Mas que, se o povo não fosse às compras, aí sim a crise ia chegar no Brasil. O que aconteceu naquele momento? Pela primeira vez na história do Brasil, as classes C, D e E consumiram mais que as classes A e B.’ Lula lembrou ainda que, mesmo na crise atual, neste ano foram gerados mais de um milhão de empregos formais no Brasil e a massa salarial cresceu 4,8%.