Cem anos de escuridão: alegação de ‘sigilo’ para negar informações cresce 663% no governo do Capitão Censura

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Que Bolsonaro entrará para a História como o pior presidente que o Brasil já teve já se sabe. A questão é como. A depender da quantidade de denúncias que varre para debaixo do tapete, impondo sigilo de até cem anos sobre dados, o que acontecerá é que só daqui a um século se saberá exatamente o tamanho dos escândalos de corrupção e dos desmontes promovidos por ele e seu séquito em Brasília. Desde o início do atual governo, são nítidos os retrocessos quanto à falta de transparência na forma de conduzir o país.

Sempre que se vê acuado, o presidente lança mão de uma manobra para evitar que investigações sigam adiante. Ele alega que a informação pública conteria informações pessoais para se enquadrar no artigo 31 da lei 12527/2011 (LAI), que prevê que “informações pessoais, relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem […] terão seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 (cem) anos a contar da sua data de produção.”

Durante a sua gestão, a alegação de sigilo como negativa às solicitações de informações através do portal Fala.BR, aumentou 663,08% em relação ao governo da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT). De acordo com dados do Painel de Acesso a Informação, mantido pela Controladoria Geral da União (CGU) divulgados pelo Congresso em Foco: “se durante o período petista apenas 2,6% dos acessos à informação foram negados sob a justificativa de sigilo, sob Bolsonaro o percentual saltou para 19,84%.  O governo Temer também usou o mesmo argumento para negar 18,57% dos pedidos de informação durante a sua gestão”.

Fato é que, no Brasil, a transparência, que foi uma marca dos governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do PT, não existe mais. Em vez de encarar com seriedade as denúncias feitas a seus aliados, o que Bolsonaro promove é uma lei da mordaça, ampliando sigilo de documentos e dados públicos.

A primeira investida contra a Lei de Acesso à Informação, criada e sancionada por Dilma Rouseeff em 2011, veio já em janeiro de 2019, primeiro mês do governo de Jair, quando um ato normativo ampliou o número de servidores autorizados a decretar sigilo de informações. O Planalto recuou porque sofreu pressão, mas as medidas não pararam por aí. Três anos depois, é possível perceber que o presidente não dá ponto sem nó.

Bolsonaro usou até mesmo a pandemia para reduzir a transparência. Em março de 2020, com a justificativa da pandemia, ele suspendeu por meio de canetada, todos os prazos de resposta de pedidos feitos via LAI, que são de 20 dias, no máximo. A imposição de sigilo de 100 anos a informações, como do processo administrativo que não puniu Pazuello por participação em ato político, é um golpe à transparência pública.

Agora, usa o sigilo centenário como manobra cotidiana para fugir de prestar contas à sociedade sempre que se vê diante de perguntas que não pode responder. A estratégia fica completa com a atuação da milícia digital, que se encarrega de criar fake news estapafúrdias, tira falas de contexto, recicla inverdades já desmentidas e chama de mentiroso quem tenta responsabilizá-los pelos escândalos que rondam seu governo.

Confira a seguir cinco vezes em que Jair Bolsonaro apelou para a mordaça:

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  1. Visitas de Valdemar Costa Neto

O governo alegou, mais uma vez, risco à segurança do presidente da República como justificativa para manter em sigilo as visitas ao Palácio do Planalto feitas por Valdemar Costa Neto, presidente do PL, alçado à condição de assessor informal do presidente desde sua filiação.

Condenado por corrupção, ele apadrinhou a nomeação de um dos diretores do FNDE, Garigham Amarante, responsável pela licitação para compra de ônibus escolares com preços inflados. Após o Estadão revelar o risco de sobrepreço no leilão, o governo ajustou a cotação dos veículos. O certame está embargado pelo Tribunal de Contas da União. Procurado, o FNDE não quis comentar.

2. Carteira de vacinação de Bolsonaro

Não bastasse ter feito de tudo e mais um pouco para atrapalhar o combate à pandemia de covid-19 no Brasil, contrariando todas as orientações das autoridades mundiais em Saúde, Bolsonaro também fez campanha aberta contra a vacinação. Não é à toa que a pandemia seja um dos principais assuntos das fake news que circulam no país.

Para ele não ter que responder se tomaria a vacina ou não depois de meses de mentiras sobre o imunizante, em janeiro do ano passado, o Palácio do Planalto decretou sigilo de até cem anos ao cartão de vacinação do presidente Jair Bolsonaro e a qualquer informação sobre as doses de vacinas que ele tenha recebido. Também entraram no fundo do baú informações sobre os exames de anticorpos de covid-19 feitos por ele.

3. Pazuello ativista

Ainda no assunto desgoverno durante a pandemia, o governo decidiu, no início do ano, que manteria o sigilo de cem anos ao processo interno do Exército que decidiu não punir o general Eduardo Pazuello pela participação em um ato antidemocrático ao lado do presidente, em maio de 2021.

A justificativa para a negativa é que a divulgação dos documentos representa risco aos princípios da hierarquia e da disciplina no Exército. De acordo com o regulamento disciplinar do Exército, é vedada a participação de militares da ativa em atos políticos.

4. Escândalo das vacinas

Em meio às investigações da CPI da Covid, o Ministério da Saúde resolveu colocar sob sigilo documentos que tratam da compra de vacinas da Covaxin, justamente o centro de um dos maiores escândalos investigados pelos senadores. O valor do negócio para a Covaxin, de R$ 1,6 bilhão, chegou a ser empenhado (reservado para esse fim) pelo governo federal.

O acordo, porém, acabou suspenso depois que os irmãos Miranda trouxeram à tona suspeitas de corrupção dentro do ministério e possível pressão interna para que o processo de importação fosse acelerado à revelia de inconsistências contratuais. A suspeita é que, por sua reação, Bolsonaro ter cometido crime de prevaricação.

5. Acesso dos filhos ao Palácio do Planalto

O governo impôs sigilo de cem anos sobre informações dos crachás de acesso ao Palácio do Planalto emitidos em nome de Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filhos do presidente. Em documentos públicos enviados à CPI da Covid, a Presidência da República informou a existência dos cartões de acesso ao Planalto dos dois filhos do presidente. Mas, quando a imprensa pediu os dados, eles não vieram.

A Secretaria-Geral da Presidência alegou que as informações solicitadas dizem respeito “à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem dos familiares do Senhor Presidente da República, que são protegidas com restrição de acesso, nos termos do artigo 31 da Lei nº 12.527, de 2011″.

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Transparência foi marco dos governos do PT

O Brasil avançou muito nas políticas de transparência e combate à corrupção durante os governos de Lula e do PT. O fortalecimento institucional do combate à corrupção foi feito por meio de ações como a criação da Controladoria-Geral da União, fortalecimento da Polícia Federal, aumento e maior eficiência das fiscalizações da Receita Federal, atuação da Advocacia Geral da União no ajuizamento de ações por improbidade e ressarcimento ao erário, atuação do Coaf no monitoramento de movimentações atípicas de dinheiro por agentes públicos e reestruturação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).

Foi Lula quem sancionou a lei da Transparência, em 2009, que obriga governos das 3 esferas de Poder a colocar na internet, em tempo real, receitas e gastos. Mais tarde, em 2011, a então presidenta Dilma Rousseff sancionaria a Lei de Acesso à Informação (LAI), que estabeleceu o acesso à informação como regra e o sigilo como exceção.

A LAI elevou o Brasil a outro patamar no quesito transparência e combate à corrupção porque foi uma das primeiras do tipo na América Latina e porque atinge todos os órgãos da administração pública. É um instrumento importante para a sociedade, que já possibilitou a realização de inúmeras reportagens que deram origens a investigações e trouxeram luz a informações fundamentais para a opinião pública. Fortalecê-la é dever de qualquer governante sério e verdadeiramente comprometido com o verdadeiro combate à corrupção.

Num espectro totalmente oposto, temos hoje o governo de Jair Bolsonaro que, para esconder sua plena inabilidade em gerenciar o país e os escândalos de corrupção envolvendo amigos e família, promove um apagão de dados e enfraquece as ferramentas de transparência. Entrará para a História, sim, mas como o Capitão Censura.