Antes país com liberdade de expressão, Brasil sofre com ameaças e mordaça de Bolsonaro

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Na última década, o Brasil tem despencado em um importante indicador global: o da liberdade de expressão. Relatório Global de Expressão (GxR em inglês), produzido pela Artigo 19, mostra que o Brasil ocupa hoje a 89ª posição no ranking mundial, que reúne informações de 161 países em 25 indicadores. É o pior registro desde o início da realização do levantamento, em 2010. De 2015 a 2021, o país caiu 58 posições no ranking.

À medida em que se aproxima o início da campanha eleitoral de 2022, episódios de violência se acumulam em um ritmo preocupante. Na quinta-feira (7), um homem foi preso por arremessar uma garrafa de plástico com explosivo e cheiro de fezes contra um ato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que acontecia na Cinelândia, no Rio de Janeiro. Lula não estaqva no palco e, por sorte, ninguém se feriu.

Horas antes, vândalos atacaram o carro do juiz Renato Borelli, responsável por decretar a prisão do ex-ministro Milton Ribeiro, com estrume, fezes de animais, terra e ovos. Os casos se somam, ainda, ao caso de um agropecuarista que jogou substâncias de um drone sobre o público que aguardava um ato de Lula, em Uberlândia, e ilustram uma preocupante estatística.

Antes país com liberdade de expressão, Brasil sofre com ameaças e mordaça de Bolsonaro

Atrás apenas de Hong Kong e do Afeganistão, o Brasil é o terceiro país que mais perdeu liberdade de expressão nos últimos dez anos. Em pouco tempo, o país, que nos governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do PT era considerado um lugar de livre expressão, com 89 pontos em uma escala de 0 a 100, na era de Jair Bolsonaro enfrenta grave cenário de restrição de liberdade.

É um cenário tenebroso, que mostra-se ainda mais grave diante do recente assassinato do jornalista inglês Dom Phillips, correspondente no Brasil do Jornal The Guardian, e do seu colega de equipe, o indigenista Bruno Pereira. É sintomático, mesmo que ainda não haja informações confirmadas, que na noite de quarta (6) um tiro tenha atingido a janela da redação do jornal Folha de S.Paulo, um caso ainda em investigação.

“Saímos de uma nação considerada aberta para restrita em pouquíssimo tempo. Esse dado é um dos mais chocantes de todo o mundo, não só pela queda em si, mas por ter ocorrido de maneira mais acentuada sob a liderança de um presidente que foi eleito e que deveria prezar a democracia e a liberdade de expressão, o que não é o caso”, alerta a diretora-executiva da Artigo 19, Denise Dora.

O cenário de restrição de liberdades vem sendo desenhado a partir do golpe de 2016: em 2015, o índice era de 86. Após o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, o índice despencou para 73, e as restrições à liberdade de expressão só têm aumentado à medida em que avança o autoritarismo de Bolsonaro.

Em 2020, o índice foi a 52 pontos, uma queda de 37 pontos em 10 anos. O levantamento revela que, em 2021, o número de ataques a jornalistas e meios de comunicação alcançou o maior patamar desde a década de 1990 no Brasil. Foram registrados 430 ataques à liberdade de imprensa, mais que o dobro do registrado em 2018, ano em que Jair Bolsonaro foi eleito.

Hoje, o governo Bolsonaro restringe a liberdade de expressão, agride e ameaça jornalistas (especialmente mulheres), faz ataques diretos à imprensa e usa as redes digitais para espalhar mentiras e contradizer a imprensa.

Dossiê elaborado pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) constata que o aumento das violações à liberdade de imprensa está diretamente associado à chegada de Jair Bolsonaro à Presidência da República. Segundo o relatório, o presidente foi o principal agressor, respondendo, sozinho por 147 dos 430 casos (34,19% do total), sendo 129 episódios de descredibilização da imprensa (98,47%) e 18 de agressões verbais a jornalistas. O documento diz ainda que foram registradas 140 ocorrências de censura, a maioria delas (138) cometidas por dirigentes da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

Na última semana, o presidente foi condenado a indenizar a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo, por uma agressão misógina de conotação sexual. Outros dois episódios de violência contra jornalistas que tiveram grande repercussão foi o soco no estômago dado por seguranças presidenciais no correspondente da Globo, Leonardo Monteiro, ao questionar por que o presidente não participou de alguns eventos do G20. Jamil Chade, colunista do UOL, quando tentava filmar a violência contra os colegas para identificar o agressor, também foi reprimido com violência por um segurança, que torceu seu braço e levou seu celular.

Com a proximidade das eleições, a tendência é que esse quadro de violência e agressão à imprensa se intensifique, bem como os ataques ao processo eleitoral. Há o risco, ainda, de que o discurso bolsonarista impulsione atos como os que ocorreram nos Estados Unidos, em 2021, quando apoiadores de Donald Trump invadiram o Capitólio para tentar impedir a certificação de Joe Biden nas urnas.

Liberdade de expressão e responsabilidade

É nítida a crise de expressão e democracia vivida no país. O ex-presidente Lula, em seus discursos e entrevistas, tem feito apontamentos sobre o papel da mídia na cobertura sobre pautas em que ele está envolvido, faz críticas ao que considera erros, mas é e sempre foi defensor incondicional da liberdade e dos direitos dos profissionais e dos veículos de exercerem o trabalho em condições dignas, humanas e sem censura.

Segundo Lula, ele é resultado da liberdade de imprensa e nunca, seja no governo ou como dirigente sindical, fez ou autorizou qualquer interferência para impedir que a imprensa fizesse o que quisesse fazer.

Eu quero a liberdade de imprensa, liberdade com L maiúsculo. Liberdade em que a imprensa fala o que quer, mas a imprensa respeita o direito de resposta. Liberdade para a imprensa não criar um pensamento único, mas um pensamento plural. Ela tem que colocar o que pensa a sociedade, o jornal e a revista escrevam o que quiser. Na minha compreensão, quem vai controlar a imprensa no rádio são os ouvintes. Na televisão, é o telespectador. Na internet, são os internautas. Nos jornais e nas revistas, é o leitor.

Lula

Transparência x sigilo

A transparência governamental é essencial à consolidação liberdade de expressão plena e ao fortalecimento democrático. Tendo esse ideal em vista, Lula e Dilma criaram mecanismos de transparência que permitiram uma maior participação da sociedade civil e da imprensa no controle da gestão pública em todos os níveis.

Lula sancionou, em 2009, a Lei da Transparência, que obriga as três esferas de Poder a disponibilizar na internet, em tempo real, receitas e gastos. Em 2011, a presidente Dilma Rousseff criou e sancionou a Lei de Acesso à Informação (LAI), um dos principais instrumentos de transparência e combate à corrupção já implementados no Brasil, e estabeleceu o acesso à informação como regra e o sigilo como exceção.

Esses instrumentos elevaram o Brasil a outro patamar no quesito transparência e combate à corrupção e possibilitaram à imprensa a realização de inúmeras reportagens que deram origens a investigações e trouxeram luz a informações fundamentais para a opinião pública.

Graças à LAI, qualquer cidadão brasileiro obteve o direito de solicitar à administração pública dados sobre orçamento, execução, folhas de pagamento e vários outros tipos de informações, como por exemplo números de leitos hospitalares disponíveis em um estado, compras de remédios, livros didáticos e vários outros itens. 

Fortalecer o acesso à informação é dever de qualquer governante sério e verdadeiramente comprometido com o combate à corrupção. Na contramão desse ideal, no entanto, Bolsonaro agride as liberdades de expressão e imprensa ao impor sigilo de 100 anos a cada passo seu. O presidente tem feito o que está a seu alcance para diminuir a área de atuação da LAI ampliando o sigilo de documentos e dados públicos.

A primeira investida contra a LAI veio já em janeiro de 2019, primeiro mês do governo de Jair, quando um ato normativo ampliou o número de servidores autorizados a decretar sigilo de informações. O Planalto recuou porque sofreu pressão, mas as medidas não pararam por aí.

Um dos casos mais escandalosos foi o sigilo de 100 anos que o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) decretou nas reuniões entre o presidente e pastores investigados no escândalo do Ministério da Educação. Em meio à criminosa gestão da pandemia, o presidente também decretou sigilo da sua carteira de vacinação e de um processo administrativo contra o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.

Para piorar, bolsonaro e seus asseclas da extrema-direita fazem de tudo para se apropriar do debate sobre a liberdade de expressão, que para eles é justificativa, desculpa e motivação para os mais rasteiro discurso de ódio.

Na contramão dessa mentalidade medieval, Lula entende que um país democrático e soberano é aquele em que o livre exercício da atividade profissional do jornalismo seja considerado seguro, onde a violência contra jornalistas, meios de comunicação, comunicadores e todos os profissionais de imprensa sejam coibidas e punidas. A democracia clama pela mais ampla liberdade de imprensa.