O Dia Internacional dos Povos Indígenas chega no mês de agosto como um importante alerta sobre a falta de compromisso de Jair Bolsonaro com o meio ambiente e os povos originários. Foi em sua gestão desumana que a Funai (Fundação Nacional do Índio), órgão oficial responsável pela promoção e proteção dos direitos desses povos, tornou-se um órgão anti-indígena, que age para proteger e incentivar o garimpo, o desmatamento, a pesca e a caça ilegais.
Nem o Plano Plurianual (2020-2023) nem a Lei Orçamentária de 2020 redigida pelo Executivo não previu programas orçamentários específicos direcionados aos povos indígenas. O abandono dos povos e terras indígenas é um grande retrato do que se tornou o Brasil nos últimos anos. E sua consequência mais flagrante, o aumento da violência em casos que chocam a comunidade internacional, como foi o assassinato de do indigenista Bruno Pereira Araújo e do jornalista inglês Dom Phillips.
Não era de se esperar uma reação diferente de quem, mesmo antes de ser eleito, prometeu “dar uma foiçada” na Funai. Como muitas das barbaridades que prometeu, o presidente concretizou a destruição do órgão que deveria pensar em estratégias de proteção dos povos indígenas. Assim, o governo federal deixou de tratar como prioridade a vida de pessoas, colocadas em segundo plano atrás do garimpo ilegal e da exploração de terras demarcadas.
Os dados estão defasados, mas estima-se que existam cerca de 1,3 milhões de indígenas no Brasil. No Censo de 2010, eram 896,9 mil. Durante os governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, foram demarcados cerca de 22 milhões de hectares em 108 terras indígenas. Isso porque fortalecer a cidadania e garantir direitos é a grande marca dos governos do PT, e Silva e Dilma Rousseff. É também essa a receita de como se combate a desigualdade enquanto se constrói um país soberano.
Temos que cuidar da floresta e do povo amazônico para dar emprego, salário, qualidade de vida. Precisamos cuidar dos indígenas porque é até dever moral cuidar daqueles que descobriram o Brasil bem antes dos portugueses e que têm direito de viver dignamente da forma que quiserem viver para manter a cultura indígena viva. (…) O que posso dizer é não haverá garimpo em terras indígenas. Questão de lei, da constituição, um dever moral da sociedade brasileira para com os indígenas brasileiros.
Lula em entrevista à Rádio Difusora
Para isso, foram criados órgãos específicos no governo, também foram instituídos Conselhos e realizadas Conferências Nacionais para debater políticas, leis e ações necessárias para essas populações. A identificação desses grupos foi também medida fundamental para o êxito dessas ações, já que os índices de miséria, analfabetismo e desnutrição tendem a ser altos entre essas populações, que, por sua vulnerabilidade, requerem maior atenção às suas especificidades.
Certamente, um grande salto de qualidade na melhoria da qualidade de vida desses povos foi o Cadastro Único, ferramenta fundamental para a construção de políticas sociais. As primeiras experiências de cadastramento diferenciado ocorreram a partir de 2004 e tornaram possível a identificação de famílias indígenas e quilombolas e suas necessidades específicas.
Em junho de 2010, 114.791 famílias indígenas e quilombolas estavam cadastradas, número que cresceu, em 2014, para 1,27 milhões. Entre 2013 e 2014, houve um crescimento de 12% no número de famílias indígenas cadastradas.
Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social, disponibilizados em 2014, a maior parte dessas famílias estava em situação de extrema pobreza, com renda per capta inferior a R$ 77. Dentre os povos originários, os indígenas eram os mais vulneráveis.
A partir de 2003, os esforços do governo Lula foram para romper a relação de tutela que existia historicamente com relação aos povos indígenas, rompendo padrões assistencialistas que costumavam nortear as ações. Um conjunto de políticas foi posta em prática, com destaque para o Programa Proteção e Promoção dos Povos Indígenas, componente do Plano Plurianual 2008-2011, coordenado pela Funai.
Diversos programas atuaram em conjunto, como a criação da Secretaria Nacional Especial de Saúde Indígena, em 2010, e o programa Mais Médicos, que levou assistência médica a todos os Distritos Sanitários Indígenas pela primeira vez na história. O programa também oferecia um curso de especialização à distância, a partir de 2014, específico para a saúde indígena, em parceria com a Unifesp. A universidade iniciou, em 2009, a primeira turma de Especialização em Saúde Indígena.
O programa Água Para Todos também contemplou 4,9 mil famílias indígenas até 2014. Por meio do Fundo da Amazônia e do Fundo Clima foram investidos entre 2012 e 2015 quase R$ 100 milhões para elaboração e implementação dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas.
Em parceria com o MDS, o Programa Carteira Indígena foi criado visando a gestão ambiental das terras indígenas e segurança alimentar e nutricional das comunidades indígenas de todo o território nacional. Entre 2004 e 2014, mais de 21 mil famílias de 84 etnias foram beneficiadas em 312 projetos apoiados, com investimentos da ordem de R$ 13,3 milhões.
Também foi no governo Lula, em 2009, que um dos maiores focos de conflito e violência entre indígenas e agricultores teve uma solução com a aceitação, pelo STF (Supremo Tribunal Federal), da demarcação integral da Terra indígena Raposa-Serra do Sol, uma das maiores do Brasil, com 1,7 milhão de hectares.
Desde o golpe de 2016, a situação foi se tornando mais delicada. De 2018 a 2021, a média do desmatamento em terras indígenas foi de 153%, o que equivale a uma área de 1.255 m². O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) alerta que a tendência é que a destruição cresça ainda mais caso sejam aprovados projetos de lei que estão em discussão no Congresso Nacional e que defendem a regularização de áreas desmatadas (PL da Grilagem) e atividade de exploração mineral em Terras Indígenas.
No dia em que artistas e lideranças ambientais e indígenas se manifestavam em Brasília contra o avanço de pautas antiambientais, em março deste ano, a Câmara dos Deputados, sob o comando de Arthur Lira e a mando de Bolsonaro, aprovou a urgência na tramitação do Projeto de Lei 191/2020, que libera a exploração de minérios em terras indígenas, incluindo áreas que habitam povos isolados.
A ordem de destruição vem de dentro do Planalto. Em dezembro, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, general Augusto Heleno, autorizou atividades de garimpo na região mais protegida da floresta Amazônica, uma área de maior densidade indígena do país —76% de sua população é de povos originários. O STF já recebeu 4 ações sobre o tema.
Durante a pandemia de covid-19, comunidades indígenas tiveram que recorrer ao STF para terem acesso à vacinação e atendimento adequado. O Tribunal determinou à União que adotasse diversas medidas, como a criação de barreiras sanitárias e sala de situação, a retirada de invasores e a apresentação de plano de enfrentamento à doença para os povos indígenas. Segundo dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), 1.301 indígenas foram mortos pelo vírus.
Um levantamento feito pelo jornal Estado de S. Paulo usando registros do Portal da Transparência deu contornos ainda mais precisos para essa situação: nos três anos desde que assumiu o comando da Funai, em junho de 2019, o ex-delegado da PF Marcelo Xavier não visitou as terras que o órgão fiscaliza.
Xavier é um dos principais alvos de um dossiê produzido por funcionários da Funai e lançado há cerca de duas semanas. Com o título “Fundação anti-indígena: um retrato da Funai sob o governo Bolsonaro”, o documento denuncia a perda de funções da autarquia e a militarização de seus cargos, que vem sendo conduzida pelo atual administrador. A íntegra pode ser baixada no site do Inesc (Instituto de Estudos Sócioeconômicos).
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