Pego na mentira, Bolsonaro volta a atacar o STF para manter seu esquema de fake news

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A semana não começou tranquila no Palácio da Alvorada. Ao longo da última semana, Jair Bolsonaro foi pego na mentira em diversas reportagens que mostraram denúncias que vão desde mau uso de dinheiro público a um “gabinete fantasma” no Rio de Janeiro, passando por um escândalo de “escolas fakes” e, o mais recente, o “bolsolão do asfalto“. Para se defender, o líder da milícia digital voltou à batida estratégia de atacar o Supremo Tribunal Federal (STF) e espalhou mentiras.

Em uma entrevista a O Liberal, nesta segunda (11), o presidente alegou que os magistrados “interferem em “tudo que se possa imaginar. Não tem exceção”. “Em março mesmo, o Supremo Tribunal Federal, sempre eles que interferem em tudo, tudo que se possa imaginar, não tem exceção. Tudo. Até quando quero nomear uma pessoa para um cargo comissionado aqui eles interferem”, disse o presidente. Só se esqueceu de mencionar que o ministro Alexandre de Moraes suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem para a diretoria-geral da Polícia Federal por causa de um escândalo. Ramagem, que é amigo da família Bolsonaro, foi escolhido pelo presidente da República para chefiar a PF, em substituição a Maurício Valeixo. 

A entrevista de Bolsonaro continuou: “Aqui no Brasil um grande problema que nós temos é uma parte dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Eles estavam julgando, na semana passada, seis ações que mexem com as questões ambientais. Ou seja, eles queriam amarrar o governo federal, nos proibir completamente de investir e buscar melhorias para a região”.

Não é bem assim. A ministra Cámen Lúcia é relatora de seis de sete ações que integram a chamada “pauta verde” no STF e foram impetradas por seis partidos. O objetivo é investigar se houve omissão do governo federal no enfrentamento do desmatamento da Amazônia – o que a rede bolsonarista nega veementemente. Tanto que dois oficiais do Exército Brasileiro foram identificados pela Meta, empresa que controla o Facebook, o Instagram e o WhatsApp, como os responsáveis por uma rede que operava como uma fábrica de fake news, páginas e perfis falsos para minimizar o efeito do desmatamento, dando a entender que ele não seria tão ruim assim. 

O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) divulgou, em fevereiro, que o desmatamento na Amazônia teve aumento recorde no governo Bolsonaro: de agosto de 2018 a julho de 2021, a devastação do bioma aumentou 56,6% em relação aos três anos anteriores. A Corte não pretende, portanto, “proibir” o governo federal de fazer nada. Pelo contrário: a ministra determinou que o governo apresente, em 60 dias, um plano de combate ao desmatamento, que seria equivalente ao plano original, o chamado PPCDAM, implementado em 2004.

Fake News como projeto de campanha

O desespero da base bolsonarista só cresce com a movimentação do Judiciário e do Congresso em torno de regras para o uso de erros sociais por autoridades públicas e determina punições para quem quer disseminar informações falsas. Na quarta-feira passada, a Câmara rejeitou a urgência para a deliberação do PL das fake news após uma bem-sucedida campanha capitaneada pelo próprio Bolsonaro.

Pautado pelo presidente, o deputado Giovani Cherini (PL-RS) admitiu que o medo era o de perder a eleição: “Somos contrários à urgência porque o projeto não pode ser votado agora, tem que ser votado após a eleição. Esse projeto é o endereço certo para retirar a possibilidade do Bolsonaro ganhar no primeiro turno. Esse é o endereço: quando o STF está a favor, quando o TSE está a favor, quando a mídia principal está a favor e o PCdoB está a favor, nós temos que ser contrários”.

É a receita da atuação da base do governo nas últimas semanas: usar mentiras para atacar o sistema eleitoral, atacar o Judiciário e, assim, manter em funcionamento a máquina de mentiras que eles mesmos criaram. Apenas no último mês, 999 vídeos foram publicados no YouTube com ataques diretos ao STF, ao TSE e aos ministros das Cortes. O número é mais de cinco vezes maior do que o que se viu em setembro do ano passado (185), quando ocorreram manifestações antidemocráticas que pediam de intervenção militar ao fechamento dos Tribunais e do Congresso – com o apoio e a presença de Jair e ministros. Os dados são de dois estudos publicados por O Globo.

Autor da cartilha repetida à exaustão na última semana por deputados que o apoiam, o presidente falou sobre o assunto na manhã desta segunda: “Não tratava de mérito em nenhuma questão, tratava de um requerimento de urgência para um projeto que visava censurar as mídias sociais: o tal do projeto projeto das fake news. Até porque esse projeto tem interesse direto dos três ministros do Supremo que estão dentro do TSE. Tem muitos projetos lá [na Câmara dos Deputados] que visam o bem do Brasil, e outros como esse, da regulamentação das redes, que tratava das fake news, como se o grande problema do Brasil fosse a mentira. Não é esse o grande problema do Brasil”, cravou.

Não chega a estar errado: o grande problema do Brasil não é apenas a mentira. É quem a fabrica e faz uso dela para se manter no poder sem governar em benefício que não seja o próprio.