A alta na inflação vem sendo o aspecto mais democrático do atual governo, já que quase ninguém consegue escapar da escalada de preços — mais de 12% no acumulado dos últimos 12 meses e o maior índice para abril desde 1996 —, que atinge especialmente os mais pobres. Segundo uma pesquisa recente, nove em cada 10 brasileiros têm mudado seus hábitos de consumo por conta dessa subida.
Energia elétrica, água, combustíveis, gás, transporte e alimentação estão entre os itens em que os brasileiros estão consumindo menos ou de maneira mais controlada. O estudo, divulgado no início da semana pela CNN Brasil. foi feito pela Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), em parceria com a Euroconsumers
Cerca de 70% dos entrevistados afirmaram que têm desligado ou usado eletrodomésticos menos frequentemente para economizar na conta de luz. O banho também tem sido impactado, com 41% afirmando que tomam menos banhos ou banhos mais curtos para controlar os gastos. Pelo menos 40% revelaram que têm tido problemas para pagar as despesas com eletricidade e gás.
O estudo também mostrou que 44,5% dos brasileiros hoje evitam usar o carro por causa dos preços dos combustíveis. Isso fez com que cerca de 33% dos entrevistados passassem a usar bicicletas para se deslocar. O transporte público também vem sendo mais utilizado.
A escalada dos preços também impacta diretamente na questão alimentícia. Cerca de 50% dos participantes da pesquisa afirmaram que passaram a comer menos carne bovina, frango e peixe, como forma de reduzir os gastos. Quase 65% disseram que passaram a comprar produtos de marcas mais baratas.
“Sabemos que a população mais impactada por esse aumento é a mais pobre, porque os alimentos representam boa parte da sua renda. Quando falamos da energia, por exemplo, as pessoas de classe alta também fazem cortes, diminuem uso de luz, de ar-condicionado. Mas quando o assunto são os alimentos, é muito provável que as pessoas mais ricas não deixem de consumir a carne e essa tendência se concentre entre os mais pobres”, afirmou o diretor da Proteste, Henrique Lian, em entrevista à CNN.
Por sua vez, o economista do Ibmec-RJ Gilberto Braga afirma que a alta nas contas de luz causada pela bandeira de escassez hídrica pode ter contribuído para essa mudança de hábitos. “As contas de água, de luz e de gás são números que estão na mira dos brasileiros nesse momento que precisam cortar custos. A própria sobretaxa na conta que terminou recentemente ajudou os brasileiros a se conscientizarem da necessidade do uso mais econômico e racional da energia”, disse ele.
Sem reservas econômicas
A pesquisa também perguntou para os participantes sobre as reservas financeiras que eles teriam à disposição para enfrentar novas altas de preços. Cerca de 58% disseram não ter nenhuma economia, 38% têm um pouco de dinheiro na poupança e apenas 4% têm boas reservas. Além disso, mais de 70% dizem temer gastar por medo de tempos mais difíceis.
Para Braga, esse cenário de pouca poupança está diretamente ligado à pandemia de Covid-19. “Muitos brasileiros tiveram que gastar as reservas financeiras. A família que vive só de salário e que não tem uma remuneração elevada foi obrigada a usar essas reservas, ou porque teve perda de renda, ou foi demitida, ou teve a jornada de trabalho reduzida. Então é natural que esses recursos fossem utilizados nesse período, porque era mesmo esse o objetivo da poupança”, afirmou o economista.
Dos entrevistados, 39% disseram que sua situação financeira está pior este ano, 45% responderam que está igual e 16% viram uma melhora. Ainda, 70% disseram que acreditam que os preços dos combustíveis, eletricidade e gás já vinham crescendo no Brasil antes do início da guerra na Ucrânia, a desculpa mais recente do governo, e 86% acham que os valores subiram sem relação com o conflito na Europa.
Em uma entrevista recente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou o uso da guerra como desculpa para a inflação no Brasil. “Não é verdade que a guerra da Ucrânia tem influência nos preços aqui no Brasil, 50% da inflação brasileira é da responsabilidade dos preços controlados pelo governo. É energia elétrica, óleo diesel, gás de cozinha e gasolina. Então, o governo que crie vergonha e tenha a coragem de dizer para a Petrobras que os preços não serão internacionalizados, que um botijão de gás ele pode fazer parte da cesta básica, ele não pode ser vendido a R$ 150,00, ninguém pode gastar 15% do salário mínimo para poder cozinhar comida”, ressaltou ele.